O Paradigma do Macaco

Creative Commons LicenseTodo o conteúdo deste blog está assegurado por uma licença Criative Commons
1226183011_planetas_dos_macacos

Afinal, quem são os primitivos estúpidos nesta história?

“…O filme traça a trajetória do homem desde, aproximadamente, quatro milhões de anos antes de Cristo, até o ano de 2001, sempre abordando a evolução da espécie, a influência da tecnologia nesse crescimento e os perigos da inteligência artificial.

O final, um dos mais emblemáticos da história do cinema, mostra astronautas travando uma luta mortal contra o computador – a versão moderna do confronto entre criador e criatura, que já inspirara clássicos como Frankenstein.

Um monólito cai na Terra ainda na época da pré-história e, muitos anos depois, em 1999, é descoberto um segundo monólito na Lua.

Aparentemente, são alienígenas que observam os terrestres, então uma missão internacional é enviada a Júpiter com a missão de descobrir o que eles realmente querem”.

O filme, todo mundo sabe é ‘2001, uma odisséia no espaço’ de Stanley Kubrik, baseado na obra genial de Arthr C. Clarke. Nele, no momento da pré-história quando o primeiro monólito negro cai, um orangotango também negro lança um osso para o espaço.

O osso-ferramenta, girando no vazio, se transforma numa nave espacial. O osso transmutando-se em nave, pela força mágica de um inexorável e enigmático paradigma (o monólito) navega solitário entre galáxias.

Osso e nave, macaco e homem, símbolos da relatividade da inteligência humana, inscrita no tempo e no espaço. E nós todos ali, juntos naquela nave útero-de-mãe-solteira, irmanados, aprisionados em nossa odisséia de reles macacos sobreviventes, perdidos no espaço.

Algum conflito? Alguma ameaça? Sim, claro. Sem isto qual seria a graça da história. É por isto mesmo que o filme nos apresenta também o aterrorizante Hal 9000, o computador pirado, criado pela mesma humana estupidez de sempre.

Hal, arrogante e prepotente, pensa que nós todos, os astronautas é que somos estúpidos e ignorantes incorrigíveis, como… macacos.

Hal coloca tudo a perder neste seu delírio, nos levando à morte, à extinção (Ufa! apenas simbólica no filme, pois a terra ainda existe e está lá, bem distante de nosso drama). Pouco importa. O certo é que o filme é mesmo emblemático. Nos dias de hoje mais ainda.

Estupidez humana. Hajam monólitos e paradigmas para quebrá-la.

Macaco é a mãe!
Cena 01

A piada mais sem graça que ouvi na vida, quando ainda era bem criança – não entendi bem porque na época – era aquela que desqualificava, grosseiramente, a notória qualidade da oratória de José do Patrocínio, o nosso grande jornalista e abolicionista.

Na piada, Patrocínio discursava empolgado quando lá no fundo da platéia alguém gritava algo como:

– “Cala a boca preto!”

Ao que Patrocínio, impassível, mesmo diante das gargalhadas nervosas da platéia de políticos, brancos em sua maioria, emendava:

– “… Preto como o feijão, que abastece as nossas mesas saciando a nossa fome!”

Mas a voz ao fundo insistia:

– “Cala a boca crioulo!”

E Patrocínio respondia de pronto, sem pestanejar:

_ “Crioulo sim, como o jacarandá, madeira nobre com a qual construímos os móveis que embelezam os nossos salões!”

Era quando então, acossada pela dificuldade de desmontar a firme convicção do orador a voz apelava:

_” Cala a boca, macaco!”

Patrocínio, ainda no mesmo tom, respondia:

_”Macaco como… macaco como…(mas, logo a seguir,estressado, perdia a linha,)…Macaco é a puta que te pariu!”

Aí, sim, o clímax, a catarse. Patrocínio desqualificado, caído de sua pose e rebaixado à condição de reles crioulo normal.

As pessoas da audiência que ouvia a piada, indiferentes ao desconforto que eu denotava com o meu risinho amarelo e constrangido, desatavam a rir gargalhadas irrefreáveis, estúpidas para mim, porém, tão normais para elas, que só me restava ficar ali, alheio, quase invisível, pensando de onde tiravam graça daquela comparação de um homem negro com um macaco.

Porque faziam aquilo, pensava eu, na época ainda bem criança? O que haveria de errado, de tão estigmatizante com os crioulos e os macacos para incomodar tanto aquela gente? Não seriam também elas, estas pessoas, descendentes dos mesmos macacos?

———–

Lembrei desta piada vivamente outro dia mesmo quando a também, majoritariamente, branca (pelo menos em padrões brasileiros) platéia de Interlagos, São Paulo, na decisão da corrida de fórmula 1 de 2008, inconformada com perda do campeonato pelo brasileiro Felipe Massa, xingou o inglês Lewis Hamilton, o virtual campeão, primeiro negro a conquistar o título:

_”Crioulo, Macaco! Devia estar correndo era da polícia!”

Soube que não houve a entrega do prêmio de campeão da temporada naquele dia. O pai de Hamilton, por conta de outras agressões racistas ocorridas no decorrer da temporada, chegou mesmo a pensar em sugerir ao filho abandonar o esporte. Disse, com outras palavras, é claro, que achava aquele ambiente sórdido demais para a sua família.

Na verdade, a expressão ‘macaco’ me evocou lembranças bem mais particulares e doídas, me fazendo reconhecer agora mesmo – e vocês, os que nunca passaram por tão vexatório desconforto, haverão de me perdoar – que preciso expurgar de mim estes sujos traumas a que fui exposto, única e exclusivamente, pelo fato de ter nascido negro num país racista.

Desabafo pessoal? Não, não, de modo algum. Este é um legítimo protesto coletivo. Milhões de brasileiros tiveram como eu, a memória destas ofensas avivadas neste momento diante da TV e, mais uma vez se indignaram com elas e vão, com certeza, buscar, cada dia mais ardentemente, um jeito de desagravá-las.

Queremos desmontar o Hal 9000 que habita – e comanda – esta nave espacial chamada Brasil, antes que esta piração sem graça e sem sentido do racismo que nos atordoa e cega, nos leve a todos para o buraco.

Macacos do mundo, uni-vos!

Macaco é a mãe!
Cena 02

18 anos, por aí. Bairro suburbano. Pelas ruas, casas e apartamentos, pobres e remediados, funcionários públicos, operários, gente humilde enfim. Nós, adolescentes heróicos, hormônios à flor da pele, debandávamos de casa aos sábados, ultra perfumados à ‘Patchuli‘ ou ‘Lancaster’, rumo à praça central do bairro com a adrenalina à mil.

Eram poucos, pouquíssimos os brancos no bairro, me recordo agora. Esta história de diferenças raciais, de modo algum, passavam pelas nossas cabeças de negros naquela época. Nem parávamos para pensar o que queria dizer ser isto ou aquilo, em termos raciais.

Anti-racialistas ingênuos, éramos a esmagadora maioria no bairro, mas, isto nos parecia uma condição, perfeitamente, natural. A vida seria assim e pronto.

Vivíamos – só fui intuir muito tempo depois – num gueto isolado, excluídos pelos mesmos parâmetros que justificam hoje o confinamento de pessoas em favelas e ‘comunidades’ carentes, mas, para nós, o mundo inteiro era assim, pobre como nós.

Ignorávamos, completamente, esta sociologia torta e perversa, visivelmente, predominante hoje, sem serventia alguma para nossas vidinhas de rapazes e moças felizes naquela remota virada da década de 1960. Misturávamos cachaça com coca-cola (dava ‘Samba’) na dureza e rum com coca-cola (dava ‘Cuba-Libre’) . Tanto fazia. O objetivo, era mesmo ficar doidão.

Por isto, por esta santa ignorância (ou inconsciência, sei lá) do que vinha a ser racismo, convivíamos, tranquilamente com os gatos pingados brancos de nossa vizinhança. Eu mesmo tinha um grande amigo que era, desbragadamente, branco, louro até.

A pracinha do bairro era um circo curioso (havia nela, inclusive, um parquinho de diversões). Pensando naquela pracinha hoje, o que me ocorre é um barulhento ritual num pátio de acasalamento.

Em pares, às vezes em grupos eufóricos de, no máximo, quatro jovens, ficávamos rodando pela praça, dando voltas renitentes, como num rally à pé. Rapazes, mãos nos bolsos, tensas, num sentido, moças de braços dados, não menos tensos, no sentido inverso.

Ao se cruzarem, os pares – ou grupos – faziam gestos dissimulados, lançavam olhares e palavras cifradas, com significados que ensejavam, ou não uma paradinha, palmilhada de risinhos histéricos das moças e pigarros nervosos dos rapazes. Ali, um casal se formava e começava um namoro. Ou não. Uma promessa ao menos, um talvez-quem sabe-um-certo-dia.

Era este o nosso rito de passagem de jovens magrelos, frio na espinha (e espinhas na cara), ansiosos por conhecer o sexo oposto e, quiçá, o maior amor de nossas vidas.

Me lembro, vivamente, da noite em que eu e meu amigo branco, circulando na praça nos fixamos numa dupla de moçoilas. Eram brancas, mas, e daí? Estávamos atraídos pelo risinho disfarçado de uma delas, não conseguimos decifrar se era para ele ou para mim.

–“ Sorriu pra ele, claro” – Pensei inseguro.

Mas eram duas, custava nada tentar. “_Quem não arrisca não petisca” -, pensei, me reanimando.

Não sei ao certo o que eu disse para ela, qual foi o gracejo, deve ter sido algo bem imbecil, imagino. Os gracejos juvenis são sempre chavões idiotas, que a gente decora para quebrar o gelo, domar o pânico, estas coisas. Não foi dita nenhuma grossura, claro. Gracejos juvenis também são sempre marcados por alguma poética ingênua, babaca mesmo, de um romantismo jocoso, o gracejador querendo parecer gentil, espirituoso e, na ânsia de agradar, chegando até a gaguejar às vezes .

Foi por isto que aquela frase dela me atingiu como um soco no estômago:

_” Não se enxerga não, seu macaco!”

Nunca me recuperei daquela ofensa estúpida e gratuita. Jamais entendi direito o que poderia justificar aquilo. Lembrando o incidente, marcado para sempre pelo impacto dele no meu íntimo, percebo que tivesse havido no tom da voz dela, naquele rompante de ódio desmedido, uma reação inconsciente diante do fato de ter recebido um gracejo de mim, o negro, e não do branco.

Talvez fosse este acaso o que a tivesse feito se sentir tão diminuída, rejeitada, desprezada como uma cadela sem cio. Ela se sentira vulgarizada pelo meu gracejo o qual – que ironia -, com toda certeza devia ser algum galanteio, um elogio.

Talvez nem branca ela fosse – pensei depois, ressentido- , apenas parecesse e tivesse uma necessidade neurótica de esconder isto das amigas brancas. Um pai mulato, uma mãe parda? Seria isto? O fato é que não entendi – como não entendo até hoje – o sentido daquilo. Pura neurose, concluí.

Fácil refletir agora, mas, como saber ali, no calor da hora, o que se passava na cabeça de uma pessoa assim. Quem ensina estas coisas às mocinhas brancas? Quem alimenta esta bílis, este veneno na cabeça delas? De onde vêm estas práticas, cinicamente, guardadas em gavetas forradas com papel rosado, que explodem assim, rancorosas, na cara de sujeitos ingênuos como o tolo rapazola que eu era?

Um trauma juvenil foi o que ficou, podem interpretar assim. O que sei é que aprendi que existia racismo ali, naquele momento, a cabeça girando, sentindo uma espécie de náusea inexplicável, querendo afundar no chão da praça e sumir.

(E pensar que existem milhões de rapazes e senhores negros, agora mesmo, remoendo esta mágoa como eu…)

O amigo branco também nem no assunto tocou. Fingiu que não ouviu. Não demonstrou nenhuma solidariedade, nem mesmo fingida. Orgulhoso, me recompus e, disfarçadamente, me juntei a um grupo de rapazes iguais á mim, que estavam no parquinho de diversões ao lado, mandando pelo serviço de auto-falantes mensagens românticas anônimas, para moças também como eles, naquela acomodação social que talvez sempre existisse, sem que eu, tivesse tido ainda a chance de perceber… Até aquela hora.

Aquele “não se enxerga, não?” ressoando na minha cabeça como se tivesse sido gritado pelo auto-falante, era uma mensagem bem clara: Um negro – ou um macaco – devia sempre saber onde era o seu lugar.

O Macaco é a mãe!
Cena 03

Poderia ter sido comigo, mas, é fato também que, como muitos outros, um conhecido meu, do mesmo bairro e na mesma época, passou pelo mesmo revés quando adolescente. Turrão como um cão sem dono, não se emendou, não engoliu a ofensa, não recuou. Decidiu, ali, naquela hora que daria o troco um dia.

Anos depois, surgiu a oportunidade e ele encarou a barra de assumir um casamento inter-racial, por pura rebeldia, concluindo depois (claro, de tão estúpida que era a idéia, ele só se deu conta do erro terrível que cometera anos após).

Você já viu algum estudo sério sobre casamentos inter-raciais no Brasil? As próprias pessoas envolvidas não falam, trancam suas intimidades a sete chaves. Quantos casais inter-raciais você conhece? Aposto que dá para contar nos dedos de uma das mãos.

Você não acha estranho que um país onde, por baixo, metade da população é negra (sem contar os genéricos ‘não-brancos’, índios, nordestinos, etc.), o índice de casamentos inter-raciais seja tão irrisório? Pois bem, este meu amigo teve, amargamente, o dissabor de saber tim tim por tim tim, por que as coisas aqui são assim. Querem saber também? Olha o que ele me contou:

“A pressão da família contra o namoro era enorme. Desprezo absoluto e explícito, nenhuma autorização para as saídas mais prosaicas, nem mesmo um cineminha. Uma situação que, infelizmente, só atiçava os meus brios libertários, envolvido que estava, romanticamente, naquele clima contra cultural dos anos 70…

“Eu vou. Porque não? Porque não? Porque não?”

Confuso naquele afã de ser o rebelde, uma espécie de ‘Che Guevara’ de um politizado e idealizado amor, aquele que desafiaria o sistema de castas raciais que predominava, mesmo naquele remoto bairro suburbano, ele não se tocou, nem mesmo quando sentiu o ar atemorizado da família e dos amigos que avisavam, insistentemente:

_”Olha, rapaz…. você está brincando com fogo”.

Mas, não adiantava avisar. Casaram-se. A princípio, integrando-se no mundo branco dela (à margem da família), começou a perceber que a ele estava reservado o papel incômodo de um personagem conhecido como o ‘negro da patota’, aquele de quem se espera que divirta, distraia a galera com alguma habilidade especial.

_”Ah, que legal! Ele conta piadas! Ele toca violão! Ele samba tão bem!”

(A regra é clara: Um negro no Brasil não freqüenta um ambiente, majoritariamente, branco se não tiver alguma habilidade especial que o destaque. É preciso mostrar a que veio. Já pararam  para observar esta máxima?)

Nunca ser ele mesmo, nunca ser a persona, o indivíduo negão. Sempre o personagem.

Isto sem contar os sapos que ele, o meu amigo, engolia, relevando os olhares preconceituosos das pessoas, as piadinhas pouco de salão e as insinuações salpicadas de maldades ferinas, nos ambientes mais corriqueiros, bares, cinema, etc. Pareciam sempre estar pensando:

_” Que diabo faz aquela branca tão fina casada com aquele crioulo doidão?”

No ambiente inverso, contudo, era ela que não se adaptava, oscilando sempre entre a timidez constrangida e a vontade irresistível de assumir logo o papel de outro personagem, este abominável, inaceitável para as pessoas dali: A sinházinha branca ‘superior’, aquela que estava ali por pura concessão de sua parte, simplesmente, por ser uma branca ‘compreensiva’, ‘gente boa’.

Personagens cínicos, canastronas representações e estereótipos banais, é disto que se nutrem as nossas tensas relações raciais.

O certo é que o pessoal, levando na brincadeira para não ofender o amigo, ironizava a ‘atuação’ dela apelidando-a (não sem algumas pitadas de sarcasmo) de ‘Princesa Isabel, a venturosa’, ‘Viridiana de Bangu’ (lembram do filme do Luis Buñuel?), e outros meigos vulgos e codinomes.

Mas eram os anos 70, ora. O mundo acordara há pouco de um longo torpor político. Panteras negras, Vietnam… Claro que a relação do meu nobre amigo com a branca azedaria e, não demorou muito mesmo a degringolar.

Mundos estanques, inconciliáveis, ele acabou decidindo divorciar-se dela. No ato letigioso da discussão dos termos gerais para a dissolução do casamento, ainda no corredor do fórum ele ouviu dela o vaticínio de que ele seria, ao final das contas, o único e irremediável perdedor.

_”Porque?”_ perguntou, com o restinho de ousadia que lhe restara.

_”Porque você é preto e eu sou branca”

Disse isto com aquele desdém típico das mulheres despeitadas, o veneno escorrendo no canto da boca (ex-esposa, nestes casos, é a pior inimiga, a mais implacável que um ser humano pode ter na vida, diz este meu amigo até hoje e, penso eu, coberto de razão).

Não deu outra. Tiveram vários conflitos ainda, relacionados a graves pendências conjugais. Numa delas, chegou a perder a cabeça e esbofeteá-la em público. Para os amigos que presenciaram a cena, achando que ele errara feio desta vez, ele justificou:

_”Não deu pra segurar não, gente. O sangue me subiu à cabeça quando ela me chamou de… macaco!”

O macaco está certo.
Todos os macacos em um

Você viu: O negro Barack Hussein Obama ganhou as eleições norte americanas. O mundo inteiro festejou eufórico. Fala-se numa mudança de paradigma. Achei as comemorações por aqui, não sei bem porque, bem modestas, contidas, chôchas até.

Das dezenas de amigos brancos que tenho hoje (do mesmo modo que o meu amigo louro do remoto subúrbio) pouquíssimos tocaram no assunto comigo. Fiquei decepcionadíssimo, mesmo sem entender. Uma amiga de ‘esquerda’, retirada por mim de seu mutismo absoluto sobre Obama, com uma pergunta direta, respondendo quase à força, complementou sorrindo amarelo:

“_ É, mas, ele não é negro!”

Incomodado com este estranho e lacônico comentário (olha que já se vão mais de quarenta anos daquele emblemático incidente na pracinha suburbana) naveguei por links e links na internet buscando a compreensão, sempre tão fugidia, deste assunto, de novo tão atual.

Lá, no resto do mundo, a festa. Aqui o quase silêncio, a comoção travada, o comedimento ‘anti-racialista’.

Lá descobri que pouca coisa mudou. Mas, vai mudar. Os ares são, fortemente, de mudança. O que não mudou lá é o ódio travado de alguns. O serviço secreto da casa Branca está preocupado com as muitas questões de segurança que a proteção à vida de Barack Obama demandará.

Só pelo fato de ser negro ele é um alvo potencial de racistas do mundo inteiro. Querem matá-lo pela ousadia de ter sido o primeiro negro eleito na América racista.

_”Matem o macaco!” -Devem estar sussurrando por ai.

Abismado achei estas citações atribuídas ao chefe da Ku klux Kan extraídas do site que a organização nazista, dita ‘supremacista’ mantém na rede:

“Thomas Robb, considerado por ele mesmo como o “Grande Cavaleiro da Ku Klux Klan”, quis opinar momentos após o triunfo do democrata Barack Obama e disse, entre outras insólitas declarações, que “se converteu no primeiro presidente mulato dos EUA”, já que é “metade negro” e não “negro”.

“Para justificar a escolha de Obama, Thomas publicou uma nota em um portal da Ku Klux Klan onde dizia que:

– “Ele não é negro porque foi criado (domesticado) por sua mãe branca”.

Além disso previu uma guerra racial entre negros e brancos e disse que os afro-americanos são “aliens” que querem destruir a cultura cristã”.

————–

_” Obama não é negro!?”- Incrível! É a mesma frase daquela minha amiga ‘de esquerda’.

Sendo assim, pensei, aqui no Brasil já devem estar chamando (entre quatro paredes, é claro) o mais importante líder político do mundo de… Macaco.

Mas não tem jeito. Morto ou vivo Obama, o mito da supremacia branca está, irremediavelmente, quebrado. Ninguém mais xingará abertamente o meu amigo (nem a mim) porque agora, um ‘macaco’, exatamente como nós, comanda o mundo.

Sim. Nós também podemos.

Estamos diante de um paradigma digno de Arthur C.Clarke e Stanley Kubrik. A Odisséia no espaço recomeçou em outra órbita:

É o Paradigma do Macaco.

Spírito Santo

Nov 2008

9 respostas em “O Paradigma do Macaco

  1. Anota aí:

    O Presidente americano para o mundo muçulmano: “Os americanos não são o inimigo”

    “Meu trabalho é o de comunicar ao povo americano que o mundo muçulmano está repleto de pessoas extraordinárias que simplesmente querem viver suas vidas e ver os seus filhos viverem uma vida melhor”, disse o presidente Obama à Al Arabiya, um canal noticioso em língua árabe baseado no Dubai. “O meu trabalho é comunicar para o mundo muçulmano que os americanos não são o inimigo.”

    Curtir

  2. Rafa,

    Claro, claro! E saiba que o ensejo deste nosso caudaloso diálogo é mais uma prova irrefutável de que estamos diante do paradigma. Estamos numa plena e franca ‘conversa de macacos’, não é mesmo?

    Abs

    Curtir

  3. Esqueci de fazer um último comentário por pura indelicadeza, porque ele estava pra ser dito mas ficou esquecido no turbilhão de informações acima: “O paradigma do macaco”, dentre tantos textos bons que venho explorando aos poucos no blog, está, sem dúvida, entre os melhores que li. A crônica vai e volta no tempo, constrói a psicologia das lembranças, tão íntimas, em diálogo primoroso com um fato de alcance internacional, político, coisa rija que não teria, a princípio, relação com as fraquezas do coração. E a relação esta lá. É isso que eles não entendem. Ora, mas nós é que temos de entender, não é?

    Curtir

  4. Rafa,

    Boa, muito boa a tua argumentação, mas, para mim ela tem alguns pontos obscuros, improváveis mesmo. Alguns, me parecem, inconscientemente, baseados em algumas teorias que enfiaram na nossa cabeça e que estão entrojetadas como veneno em nossas elocubrações sobre racismo (os venenos se chamam Gilberto Freire e o ‘elogio à mestiçagem’, basicamente) como, por exemplo, a afirmação de que o racismo discerne, regula os níveis de discriminação segundo as gradações de tom da pele dos negros.

    Os ‘mulatos’, por esta lógica, seriam ‘menos’ discriminados do que os ‘mais escuros’. haveria uma escala no racismo, uma pirâmide racial. Você acredita nisto? Vê isto ocorrendo nas ruas do Brasil, na prática? Balela. nem na Lapa isto acontece.

    Parece redundância, mas, será necessário repetir até o fim: O racismo se baseia numa lógica supostamente científica porém, absurda, que não existe, totalmente sem pé nem cabeça. O filho de um branco com uma negra pode nascer branco, preto ou ‘mulato’. É a genética (e o absoluto acaso de ‘vasar’ mais ou menos melanina no filho deste casal, ali, na hora da fecundação, que decide a parada). As vezes, um cabelinho mais liso, um nariz mais afilado muda todo o conceito do que seja um negão, mesmo que o cara o seja.

    É por esta razão, (estúpida como tudo que se relaciona a racismo), que lá nos States eles criaram aquela lei que dizia que ‘uma gota’ de sangue’ podia definir se uma pessoa era branca ou negra. Tem até um filme, um dramalhão de hollywood sobre isto, no qual a filha que parece branca, rejeita a mãe negra que é muito bem tratada pela amiga-patroa branca. O papo da ‘uma gota’ está ligado a uma razão clara para mim: Lá, negro é minoria (13%). A tentação de isolar os ‘arianos’ é grande. Existem brancos ‘puros’ lá, pelo menos eles acreditam.

    Cara, é preciso muito cuidado e reflexão nesta hora. Como você viu no meu artigo, esta tese do ‘meio-negro’, é exatamente, a mesma do líder da Ku klux Kan. É o argumento oficial que tenho visto nos últimos dias embutido em quase tudo que se fala, na imprensa ‘branca’ sobre o Obama.

    Isto já é uma parte do paradigma, porque é inédito eles, os racistas norte americanos, usarem este argumento tão…brasileiro. Eles jamais colocariam em dúvida a negritude de um cara como o Obama. É ‘nigger’ e pronto. E africano, o que é muito pior. E muçulmano, em termos. Uma tragédia ideológica para os brancos americanos. Como você mesmo disse, só usam este papo furado de ‘meio-negro’ agora, por que o cara ganhou.

    O sistema de racismo deles falhou, fragorosamente, sem ser programado, pela primeira vez. Agora, só matando o cara.

    Não acho verossímel este pragmatismo todo que você vê no processo do Obama. Claro que há uma certa lógica, mas, mesmo no que for pertinente, ela não é tão cartesiana e certinha assim. O fato é que o racismo deles é bem diferente do nosso (aqui é uma negaiada imensa de mais de 50%, por baixo). A rigor, praticamente não existe branco por aqui, logo, precisam usar, deseperadamente, este mito do mulato com dois pesoas uma medida . Dependendo do interesse deles, os brancos, a mulata é a piranha ou é, como na marchinha, ‘a tal’. Quanto menos pessoas se assumirem como negras melhor para eles (e isto é puro Maquiavel, lembre-se).

    Não acho que Obama seja símbolo de negociação racial nenhuma. A negociação racial, neste aspecto, pode começar ou não. Aí já é outra história.

    Não acho que se avance muito no Brasil se a gente não se organizar e se mexer. O fator Obama, não nos beneficiará se a gente ficar caindo nestas arapucas anti-racialistas, esta conversa de mestiço, mulato, meio negro, meio isto, meio aquilo, etc.

    Quem define quem é negro, não somos nós, lembre-se? São eles. Negro (raça) não existe. É uma invenção racista, oportunismo, calhordismo social.

    Acho perfeita a estratégia de campanha do Obama. Não era candidato a governnar os negros da américa. Era candidato a governar a TODOS os americanos (75% de brancos). Quem não queria um negro no poder eram os racistas. Os racistas perderam. A mensagem da eleição do Obama é clara: Os racistas são uns estúpidos.

    Por isto, acho que é preciso avaliar a conjuntura de lá completa, muito além da questão racial. É política e ideológica a questão e…paradigmática (como em qualquer paradigma, ninguém pode prever no que vai dar).

    Viramos uma página de nossa história e precisamos tirar o melhor partido político e ideológico da questão. Não é nos dividindo em ‘negros’ e mulatos’ que a gente vai virar a mesa por aqui.

    O sistema de racismo no Brasil anda está imune a falhas. está firme e sólido em sua estupidez.

    Somos (os negros) um problema global, diaspórico. Os ventos da eleição do Obama soprarão aqui também, claro. Precisamos estar na rua, sem camisa, de peito aberto pra sentir os benefícios dos bons ares de mudança.

    Ou viraremos todos mulatos sem vergonha.

    Nós também podemos.

    Grande abraço

    Curtir

  5. (Ainda o Rafael Cesar, refletindo)

    De fato, o Obama não é um negro “como os outros”, ao menos para os americanos. E isso não tem relação com a sua alta patente acadêmica etc. Tem muito preto assim nos EUA, como você sabe. Mas é que Obama não é um filho do cativeiro. O fato de ser filho de um africano de Gana, e não um descendente de escravos americanos (que depois se tornaram aqueles negros perigosos, fossem bandidos ou democráticos ativistas, e que, portanto, exigiam as reparações pelo que sofreram), para o americano é fundamental. A questão da origem é realmente muito forte para eles (o que não exclui o preconceito de “marca”, como inocentemente se costuma apregoar no Brasil. Lá, os negros mais escuros sofrem mais racismo do que os negros mais claros, sim, e nem preciso te dizer isso). Este é o primeiro ponto.

    Em seguida, há ainda a sua ascendência branca. Tendo ele uma mãe branca, isto é como apólice de seguros – os americanos adoram apólices de seguros para tudo – de que não vai fazer uma “política negra” ameaçadora aos brancos. E, de fato, parece que estão acertando. O Obama não tocou na questão racial na campanha (ok, uma etsratégia); nada disse no discurso de possa (apenas uma referência de que aquela noite provava que na América tudo era possível, mas ora, e por que não explicitar o fato?); e no anúncio de seus primeiros e mais importantes membros do futuro governo, já vimos que são todos homens brancos. Devem aparecer negros mais à frente, mas ele sabe muito bem que, como negro, já entra devendo. E talvez não possa fazer como Bush, que usou um negro e uma negra (Powell e Rice) em dois dos cargos mais importantes do governo (se bem que ainda tem aquela psicologia perversa de botar os negros pra fazer o “trabalho sujo”, que é matar gente mundo afora, mas isso a gente discute depois).

    E, por fim, Obama é um símbolo de negociação. Para os negros é um político negro que chega ao posto mais alto (e as lágrimas do reverendo Jackson são mais do que justificáveis); para os brancos, é um negro que não oferece ameaças pelo “rabo preso” que tem, também, com os brancos, por fazerem parte de sua família. Acho que, ao final, vendo os brancos que estão se tornando minoria, ter um negro como Obama no poder é a melhor forma de negociar, porque não entregam o poder “completamente” aos negros. Ao menos num primeiro momento, parece uma solução bastante boa. Não curto teorias de conspiração ou “gênios do mal”, mas acho bastante possível (mais: provável) que quem propôs a candidatura de Obama tenha pensado nestas coisas todas.

    Que acha disso tudo, amigo? Te deixo um abraço,

    Rafael

    PS: não esqueci de nosso papo inicial sobre o “reducionismo nagô” (adorei o termo “reducionismo”, eu costumava chamar de “ditadura iorubana”). dei uma sumida por conta de provas para ingressar em dois mestrados, mas agora voltei. aliás, estou muito ansioso para ler o teu livro sobre samba a partir dessa perspectiva. bom, mas eu não acho que o Muniz seja uma douta vítima desta visão. acho que, no caso dele, é mesmo uma escolha (e aí, por isso eu falei do “ciuminho” que sentia, porque os bantos me chamam muito mais, possivelmente por ser minha herança negra maior, como qualquer carioca. falei bobagem?). lendo o livro do Muniz em que está aquele conto que te passei, dá pra ver que ele sabe direitinho o terreno em que está pisando, e não mistura ou suprime nada, é bem localizado. Se bem que, agora estou pensando, tem também aquele outro livro dele, o “Verdade Seduzida”, em que ele fala de cultura negra brasileira quase completamente a partir dos nagô, né? É verdade, aí talvez eu pudesse te dar razão. Mas logo ele… cara, é muita coisa pra discutir. Desculpe, fiquei até angustiado, de repente. Vamos continuando aos poucos. Outro grande abraço!

    Curtir

  6. Rafa,

    Pois é isto. “Preto quando não caga na entrada, caga na saída’. Quem não conhece esta gracinha, escatologicamente, estúpida?

    Recomendo muito cuidado para todos os seres humanos sensíveis ao …problema. As armadilhas e salvaguardas do racismo à brasileira, estão sendo armadas.
    Muita calma nesta hora.

    Curtir

  7. É claro que o Obama não é negro. Vão sempre buscar quaisquer justificativas para mostrar que ele não é negro, afinal, como pode um negro no posto de maior poder do mundo? E já não me importo mais de as pessoas fazem isso inconscientemente. Continua sendo grave o problema, e não diminui a responsabilidade das pessoas que fomentam esse tipo de discriminação.

    Mas, Spirito, espera só ele fazer alguma merda, que vão chamá-lo – adivinha de quê? A cor muda de um segundo pro outro.

    Curtir

Deixe um comentário