O Rei Nagô sem a pureza fica nu. Fechando a tampa do caldeirão da ‘nagoization’.

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Os Mendes, família nagô rica, no Rio de Janeiro do início do século 20 Os Mendes, família nagô rica, no Rio de Janeiro do início do século 20

As elitistas raízes fincadas no ‘axé’ do Candomblé do Rio e de Salvador, Bahia.

Rasgando a saia justa-Post#06

Raízes D’África

“Assumano, Alabá. Abaca, Tio Sani

E Abedé me batizaram na lei de mussurumi

Como vêem tenho o corpo cruzado e fechado

Carrego exé na língua, não morro envenenado

Viajei semana e meia daqui pro Rio Jordão

Lugar em que fui batizado com uma vela em cada mão

Cinco macota d’Angola me prepararam de berço

Enquanto Hilário Jovino me cruzou com sete terços

Mesmo assim, me considero um insigne mirim

Filho de cuemba não cai Ogum, Xangô, Alafim.”

(Samba de partido Alto de Aniceto do Império Serrano)

Seguindo o papo, primeiramente um fato inquestionável (embora seja sempre omitido):

O calcanhar de Aquiles da ideologia que preconiza a chamada ‘Supremacia nagô’ é o conceito ‘pureza étnica’, a eventual legitimidade, a suposta ‘superioridade‘ dos elementos de uma africanidade idealizada, contidos no culto do Candomblé Nagô, em detrimento de todos os outros elementos culturais porventura trazidos ou criados por africanos no Brasil que, tachados de impuros passaram a ser ignorados, desqualificados, considerados cultura africana ilegítima, passando a sofrer procedimentos de invizibilização sistematizados.

Negros ‘puro-sangue’ versus negros ‘vira-latas’.

Falando francamente é esta a essência do conflito ideológico expresso pela maquiavélica e artificial oposição que se criou entre o Nagô e Bantu no âmbito da cultura negra do Brasil. Um conflito de natureza claramente racista que a gente sabe muito bem a quem interessa, não é não?

Incrível! Como foi que esta imensa distorção se firmou? O que contribuiu para que ela se mantivesse assim tão inquebrantável durante os mais de 150 anos em que foi ‘fundada’. Conivência de muitos, aquiescência das próprias ‘vítimas’? Injusta e ‘esperta ignorância’ de doutos e incultos, todos fraternalmente mal intencionados? Vai saber! Bem… vocês já sabem muito bem do que estamos falando.

Esta generalizada ‘invisibilização’ de tudo que NÃO é nagô – cujo negativo impacto social e político, garanto a vocês, é enorme e ainda incalculável – tratando-se de uma espécie de ‘apagamento compulsório’ da cultura da maioria da população negra do Brasil (que, como já se pode atestar é oriunda, principalmente de certa parte da África, basicamente a área compreendida pela República de Angola atual), se processou em todos os níveis da sociedade brasileira.

(Bem sei que alguns minimizam a questão tachando-a de uma irrelevante disputa ‘Negro versus Preto’, algo como discutir o Sexo dos Anjos, como me disse alguém, mas vamos tentar enxergar as coisas mais profundamente).

 “Seguindo uma tradição estabelecida à longa data, desde o século XIX, Pais de Santo e Mães de Santo do Candomblé sempre mantiveram contatos regulares e relacionamentos – por vezes bem íntimos até – com a elite política. Como observa (Vivaldo da Costa Lima), estas estratégias devem ser analisados sob a perspectiva de uma “ideologia de prestígio”.”

“…A partir dessas histórias entrelaçadas de viagens marítimas emerge o retrato de um grupo de abastados libertos Nagô, intimamente associada ao terreiro de Marcelina da Silva e unidos por laços de amizade, parentesco, e provavelmente de comércio, assim, que enviaram seus filhos para serem educados em Lagos…”

Esta rede de língua iorubá, certamente consciente de sua identidade nagô, continuou a estimular as relações sociais e culturais entre líderes religiosos da Bahia e os da Costa Oeste africana. Como afirmado pelo antropólogo (Vivaldo da Costa Lima), “a viagem à África por africanos livres e seus filhos era um elemento importante legitimador de prestigio e gerador de conhecimento e de poder econômico. “

(Luiz Nicolau Parés –“Repensando a Nagôização do candomblé no século XIX”)

Com toda certeza, se esta ‘política de prestígio’ posta em prática pelo Candomblé baiano, principalmente por sua recorrência e pela constatação de que foi uma estratégia usada tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro, segundo um mesmo modus operandi, pode-se  quase afirmar que ela foi cuidadosamente articulada, provavelmente representando uma premissa fundamental da seita, uma regra fundadora que, neste caso teria sim premeditadas finalidades ideológicas corporativistas ou elitistas, visando muito mais a ascensão ou a promoção social de um seleto grupo de negros organizados como uma casta religiosa, perfil muito diferente da imagem vendida por aí de uma religião gregária, libertária, interessada na redenção de todos negros do Brasil.

E este é o ‘xis’ de nossa questão.

A história da fundação do Candomblé no Rio de Janeiro é esta:

…” Oba Saniya (o ‘Tio Sani’ de Aniceto do Império no partido alto aí de cima) e Bamboxe (que também possuía o titulo de Balé Xango), estiveram no Rio de Janeiro por volta de 1886 e se instalaram no bairro da Saúde, implantando o axé de suas respectivas casas. O terreiro fundado por Bamboxe, após seu retorno à Bahia, foi segundo contam, entregue ao renomado João Alabá (citado também no samba de Aniceto), que continuaria a tradição. No terreiro de João Alabá, Hilaria Batista de Almeida, Omo Oxum ( filha de oxum) conhecida por Tia Ciata, ocuparia o posto de Iyá Kekere ( Mãe Pequena).

“…Seguindo os passos de Oba Saniya e Bomboxe, Mãe Aninha (Iya Oba Biyi) faria inúmeras viagens da Bahia para o Rio de Janeiro…Durante esta estadia, Aninha iniciou algumas algumas iyawo e foi cercada das tias baianas mais proeminentes residentes na região a que Heitor dos Prazeres um dia chamou de Mini-África, e que ia da Praça Mauá e Pedra do Sal até a Cidade Nova.Por essa região se estendia a colônia baiana”

(Paulo Cesar Pereira de Oliveira em Samba Choro)

Este processo – que, como já atestamos aqui em outros posts foi iniciado na segunda metade do século 19, ali por volta de 1860 – de alguma forma se cristalizou, notadamente na área dos estudos acadêmicos mais convencionais, a partir dos quais a falsa – e velha – tese da ‘supremacia’ de um minoritário grupo étnico africano sobre os demais, foi estabelecida e legitimada – inclusive no âmbito institucional – influenciando equivocadamente políticas públicas, oficiais na área da Cultura, da Educação, etc. políticas estas que sedimentaram uma idéia de cultura e história do negro brasileiro, completamente diversa da realidade dos fatos, ideia que sobrevive até hoje, apesar do caráter de deslavada mentira que claramente representa.

Sim Sinhô!

…”Martiniano Eliseu do Bonfim foi um membro muito influente dos candomblés da Bahia, desde os fins do século XIX. Nina Rodrigues a ele já se referia, sem mencionar-lhe o nome, como um valioso informante:

Martiniano:

– “Todo o mundo pensa que eu tenho muito dinheiro mas desde que o Dr. Nina Rodrigues morreu, não tive mais um emprego regular”.

(O candomblé da Bahia em 1930- Vivaldo da Costa Lima)

O Brasil-afro é mesmo esta carroça enfeitada de penduricalhos kitsh, se pretendendo uma sociedade moderna. O chato é esta doída sensação ‘ai meu lombo!’, a impressão de que nós, ‘os outros’, é que somos os cavalos, os jegues, os burros que puxam o veículo que transporta a tralha.

Alguns mais renitentes, diante da constatação de que uma farsa foi mesmo urdida neste assunto da ‘supremacia nagô’ esbravejam contra os doutos, culpando-os por tudo. Eu mesmo passei um bom tempo achando que o racismo recorrente da ‘Academia Branca do Brasil’ explicava tudo. Para mim uma série de doutores a partir de Nina Rodrigues, teria construído sozinha, pedra por pedra, tese sobre tese, esta mistificação academica da ‘supremacia’ nagô e seu elitismo militante. Pois sim. O que dizer quando se lê as entrelinhas de algo assim:

…”Mãe Aninha tinha contatos com o presidente brasileiro Getúlio Vargas e ministro chefe da casa Civil Oswaldo Aranha, bem como com outros ministros e diplomatas. Bernardinho de ‘Bate Folha “foi grande amigo de Juracy Magalhães, que foi governador da Bahia em 1934 e pessoa fundamental para a criação de um clima político relativamente confortável para o Candomblé.

(Paulo Cesar Pereira de Oliveira em “Samba Choro”)

Pelas pesquisas que fiz para o meu livro – que não tem nas partes em que toca neste assunto, vale ressaltar, a menor intenção de ‘denegrir’, ‘queimar’ o filme do Candomblé – pude perceber que estas ‘relações ideológico-diplomáticas’ se deram também, de forma bem intensa no Rio de Janeiro, notadamente no âmbito da chamada ‘Pequena África’, onde esta ‘diplomacia’ era representada e tocada pelas articuladíssimas figuras muito badaladas da colônia baiana do Rio na época, como Hilário Jovino (pernambucano, oficial da Guarda Nacional) e a afamadíssima Tia Ciata (na verdade Hilária Baptista da Silva, cujo marido João Baptista era o chefe de gabinete do Chefe de Polícia da capital durante o governo Wenceslau Bras).

Na verdade, quanto mais nos aproximamos das mumunhas mais intrincadas do assunto, mais incongruencias encontramos e o processo de montagem da farsa da ‘Supermacia Nagô’ mais vai se revelando. Uma destas mumunhas, das mais cabulosas é a maneira absolutamente recorrente com que se atribui a personalidades desta colônia baiana a invenção de praticamente tudo que o negro carioca – e o baiano – criou.

“…Foi também muito importante nesta ‘política de prestígio’ da seita do Candomblé carioca, o famoso e mui influente pai de santo ‘Abedé’ (também citado por Aniceto e, como os outros de origem e crença curiosamente muçulmana), na porta de cujo terreiro se podia ver aos sábados, carros e mais carros estacionados. É que sábado era dia das seções mais concorridas, aquelas que atraíam as mais ‘chics’ celebridades da Capital da República, entre elas muitos políticos importantes…”

“…As funções na casa de Sua Majestade Abedé eram permitidas pela polícia, em vista de ser ali uma sociedade de Ciências Ocultas, com organização de sociedade civil, sendo (…) os seus estatutos aprovados pela polícia” para a prática “da religião e danças africanas”. Isto porque Abedé era o único pai-de-santo com diploma de doutor em Ciências Ocultas, concedido por uma universidade norte-americana.

(Francisco Guimarães (‘Vagalume’) em ‘Na Roda do Samba’. Rio de Janeiro, 1933)

Em todas as teses, livros e artigos, a rigor em praticamente tudo que se escreveu até hoje sobre a cultura do negro nestes dois importantes centros brasileiros, o genio de algum membro desta elite negro-nagô-baiana aparecerá. Ao que tudo indica, os vínculos estreitos desta ‘afro-elite’, desta casta pós yoruba com a aristocracia branca de Salvador e do Rio de Janeiro acabou reservando-lhe o direito de representar o papel de ‘cultura oficial’ do negro brasileiro, o que é, sobre todos os termos, uma lamentável e inaceitável distorção.

“…”Os grandes candomblés na casa de Sua Majestade Abedé …se recomendavam pela gente escolhida que os freqüentava e nos dias de tais funções, era de ver a grande fileira de automóveis naquela rua, sendo alguns de luxo e particulares na sua maioria. Era gente de Copacabana, Botafogo, Laranjeiras, Catete, Tijuca, São Cristóvão, enfim gente da alta roda que ali ia render homenagens a seu Pai Espiritual.”

Para dar uma idéia do prestígio de Sua Majestade Abedé, Vagalume arremata com a informação de que, numa festa que deu em setembro de 1930, compareceu até o filho do presidente da República, Washington Luís.”

Bem, não foi preciso ser muito atento para observar que pelo menos quatro dos principais líderes religiosos introdutores do Candomblé no Rio de Janeiro, citados no antológico samba de Aniceto (Assumano, Alabá, Tio Sani e Abedé) eram assumidamente muçulmanos, adeptos de uma religião com muitos seguidores na África a partir do século 14 ou 15, mas sem nenhuma relação direta com as religiões ‘puramente negro-africanas’ alegadas pelos crentes da ‘Supremacia Nagô’.

“A Drª. em história comparada da UFRJ, Juliana Barreto Farias, em seu livro Cultura, identidade e religião afro-brasileiras na cidade do Rio de Janeiro -1870-1930: cenários e personagens, traça um esboço biográfico bastante interessante sobre Assumano (o mesmo citado por Aniceto do Império no samba de partido alto aí em cima):

“Filho de Muhammad Salim e Fátima Faustina Mina Brasil, negros vindos da Costa da África, Assumano, “uma figura impressionante de preto”- nas palavras do compositor e escritor Almirante – morava na rua Visconde de Itaúna, dizia trabalhar no comércio e dar consultas em sua residência, inclusive para pessoas conhecidas na sociedade carioca da época, como é o caso do jornalista e escritor Medeiros e Albuquerque…”

E esta é a perna curta desta inverdade antológica.

O que é preciso ter esperteza para entender é que o formidável processo histórico que ensejou a expansão do Islamismo África negra à dentro (e se toque aí pessoal: os muçulmanos nas Cruzadas tomaram parte da Europa também) ocorreu ao mesmo tempo em que o Catolicismo europeu se expandia via Reino do Kongo, para a área invadida e posteriormente dominada pelos portugueses.  É obvio se deduzir, portanto que por esta simples constatação, todas as culturas africanas transladadas para o Brasil – e as suas respectivas religiões – já chegaram aqui ‘resignificadas’ (‘contaminadas’, como querem os puristas) carecendo de sentido afirmações do tipo:

“…as formas congo-angolanas, chegadas ao Brasil (estariam) já muito influenciadas pelo catolicismo, e com sua historicidade bastante diluída.”

(O grande Nei Lopes, dia destes em seu blog)

Como argumentamos exaustivamente aqui, é sobre estas premissas algo discutíveis – a fraca tese da ‘pureza’ yoruba – que se assenta toda a ideologia da ‘Supremacia Nagô’ que consideramos de certo modo, nociva à emancipação da maioria dos negros do Brasil, um flagrante e importante entrave na luta contra o Racismo á brasileira muito mais por conta do pecado original do elitismo na qual foi fundada, mas também pelo caráter deletério de sua pretensa hegemonia religiosa ou cultural.

Para irmos aos finalmentes – ou para o fim provisório – desta conversa, (e já falamos nisto, de leve, no post anterior) admitamos enfim que, se as religiões bantu podem ser consideradas ‘impuras’ e desafricanizadas por terem sido ‘contaminadas’ pelo Catolicismo, as religiões ‘sudanesas’ (a ‘nagô’, no caso) também são, do mesmo modo ‘impuras’ e desafricanizadas (atentem, por favor, que neste caso a pecha se refere à África Negra), pois, foram ‘contaminadas’ pelo islamismo.

Ora, se os elementos mais animistas e primitivos das culturas africanas que informam a cultura brasileira – os tais que seriam ‘puramente africanos’ (como os sacrifícios de animais, a possessão de ‘espíritos’, etc.) não podem mais ser, claramente identificados – ou pelo menos atribuídos aos bantu ou aos nagô, precisamente – a questão nova que se apresenta para a nossa discussão passa a ser, pois, definir quais elementos constitutivos da negritude brasileira são mais relevantes ou pertinentes, se os Afro-Muçulmanos (que, como atestamos aqui marcam profundamente o Candomblé) ou se os Afro-Católicos (que, como todo mundo sabe, marcam todo o resto, maioria esmagadora de nossa população negra, de todo o sudeste brasileiro, pelo menos e todo o resto da Diáspora americana).

Zero a zero. Empate. Fim de jogo: ‘Pureza étnica’ alguma as duas correntes religiosas afro-negras têm.

Edison Carneiro, seated in chair, holding picture of Mãe Aninha- Photo by Ruth Landes 1938 Edison Carneiro, seated in chair, holding picture of Mãe Aninha- Photo by Ruth Landes 1938

É por estas e outras que o que você lerá agora terá que ser entendido também nas entrelinhas:

“…A fim de garantir a segurança e a liberdade para Candomblé proposta pelo II Congresso Afro-Brasileiro, em janeiro de 1937, Edson Carneiro organizou  a União das seitas afro-Brasileiras, que substituiria a polícia no controle de atividades religiosas.

A USAB foi inaugurada com o apoio formal do governador Juracy Magalhães e incluiu 67 terreiros entre os aproximadamente 100 existentes na época (ou seja, 33 foram expurgados, considerados “impuros”). De acordo com Roger Bastide, a USAB preconizava o que Couto Ferraz, em seguida, denominou de “O retorno para a África, unificando as casas tradicionais em busca da “pureza primitiva dos cortes africanas”, em detrimento e com a exclusão de práticas sincréticas, particularmente aquelas que envolvessen os chamados ‘caboclos’(assemelhada a uma das ‘linhas’ do que chamamos hoje de ‘Umbanda”).”

(Luiz Nicolau Parés -“Repensando a Nagôização do candomblé no século XIX”)

Sacaram? Não? Edison Carneiro e outros próceres de nossa negritude na década de 1930, estabeleceram a censura oficial de tudo que não se enquadrasse dentro do conceito estabelecido como sendo ‘pureza nagô’. Não. Vocês não leram errado. Este artifício oficialista, de acordo com os interesses das elites brancas da Bahia (e do Brasil) foi estabelecido como decisão formalizada nos anais do II Congresso Afro-Brasileiro de 1937.

Estaria aí um dos nós ideológicos do nosso sempre elitista Mov. Negro do Brasil que até hoje é ‘nagoista a mais não poder? Seria por isto que a defesa dos aspectos mais fakes e comprovadamente deletérios (ideologicamente falando, claro) do Candomblé tem sido sempre tão ferrenha quanto cega?

É.  A saia já puída e rota vai ficando cada vez mais justa. Vamos cuidar para que ela não rasgue bem no meio do salão.

E venha cá, meu rei: É lícito se supor então que um mito tão antigo e tão arraigado em nossa alma brazuca, é um atributo  muito questionável de nossa ainda incerta brasilidade. Se é mesmo assim, vamos combinar: Se há tanta discussão a respeito de nossa inefável negritude, só pode ser porque, evidentemente algumas respostas a esta candente questão ainda estão na África e, pelo menos nestes aspecto, brasileiros ‘da gema’ mesmo, ainda não somos de jeito nenhum.

E mais: Se a virulencia poderosa deste mito da ‘Supremacia Nagô’, como vimos, tem mesmo a sua gênese ligada, umbelicalmente ao colonialismo inglês (The Lagos-Salvador Conection, lembram-se?) , que tal se esmiuçá-lo considerando-o uma instituação de alcance muito mais abrangente do que o Brasil? Que tal considerar a possibilidade dele ter ‘contaminado’ TODA a nossa adorada Diáspora com a sua fake face pintada de negro para inglês ver?

Bem. Por enquanto é tudo que me arrisco a dizer. Fecho então a tampa desta série deixando vocês refletindo sobre as alentadas considerações de Luiz Nicolau Parés a seguir, que são para mim o golpe final, mortal, sem mesericórdia nesta desmascarada farsa da ‘Pureza’ ou da ‘Supremacia Nagô’.

Vade retro! Pé de pato mangalô três vêis! Chega de caô caô!

“…Como Ade Ajayi (1961) e John Peel (2000) têm argumentado de forma convincente, este nacionalismo (yoruba) teve suas raízes no movimento missionário e era essencialmente cristão (especialmente protestante). De fato, os primeiros mentores intelectuais da identidade «cultural» iorubá foram sacerdotes cristãos, muitos deles educados na Serra Leoa, mas na virada do século, em Lagos, este movimento foi realizado principalmente por jornalistas em uma campanha defendendo a africanidade ou pureza racial negra.

Como resultado, uma elite negra burguesa – incluindo muitos Aku, Nagô e retornados Lucumi da Serra Leoa, Brasil e Cuba, respectivamente – começou a reafirmar a sua dignidade de «raça-nação», cultivando a língua iorubá, adotando modos de vestir africanos, coletando conhecimento ancestral na forma de provérbios, contos e poesia, a compilação de narrativas históricas da tradição oral e «nem sequer começou a encontrar mérito em alguns aspectos da religião tradicional» (Peel 2000, p. 279) 10.

(Luiz Nicolau Parés –“Repensando a Nagôização do candomblé no século XIX”)

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Post # 01

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Spírito Santo

27 de Agosto 2011 (64 anos de vida normal)

19 respostas em “O Rei Nagô sem a pureza fica nu. Fechando a tampa do caldeirão da ‘nagoization’.

  1. Espírito Santo… venho lendo suas colocações e suas séries e tenho profundo respeito pelas suas pesquisas. Parabéns pelas elucidações!

    Esta história de Muçulmano no grupo Nagô e Católicos no grupo Bantu, tem que ser melhor apurado, principalmente com pesquisa, ou seria melhor dizer, vivência empírica. No lado Bantu é bom compreender que que majoritariamente as elites do Reino do Congo que se converteram para ter uma relação de privilégio com Portugal, não representando o povo ou os outros povos bantus da região, sendo também os principais articulistas para a captura de africanos por todo o curso do Rio Congo e da região de N’gola. Isto é uma coisa que temos que perceber muito bem, pois a cultura católica permaneceu na capital e se expandiu para o interior pouco a pouco com os missionários europeus que lá chegaram, inclusive traduzindo a bíblia em diversas línguas locais. No entanto o povo sequer abandonou a sua cultura e inclusive se fortaleceu posteriormente, apenas reduzindo por aparência quando ocorreu a colonização de interferência europeia, no quesito de mudança de instituições, sem contar que alguns reis da dinastia Nkongo cortaram relações com Portugal, que buscou se estabelecer na região de Cabinda e Luanda, para se fortalecer com outros povos, sem convertê-los ao catolicismo.
    Os Bantus foram importantíssimos para a história de resistência e luta do negro no Brasil, bem como o estabelecimento de instituições de forma diferenciada, sem parâmetros com as instituições ocidentais, pois já tinham as suas desde África, como eram os debates de demanda, como acontece com as disputas de partido alto, repentistas ou o próprio “rap”, tão comum nas “brincadeiras” de demanda do jongo. A capoeira também que era dos bantus, como uma forma de escola, em outro tipo de concepção, que era uma espécie de filosofia de integração entre o corpo e a mente, sempre saudáveis, ao mesmo tempo que praticava de forma prazerosa como atacar o inimigo, na capoeira angola, regional ou no maculelê, até desembocar no samba de roda, que era uma forma de “desestressar” a tensão de estar se treinando para atacar o inimigo, mas fazia isto entre os próprios irmãos, que cada vez que se atingia um nível mais elevado existia o sistema de “batizado”, representado pela corda, de forma que quanto mais alta sua hierarquia, mas humilde para com o próximo se deve ficar.
    Além de várias instituições bantus, não poderemos esquecer de forma alguma da instiuição ofensiva, criada pelos Jagas, no Congo antigo, no qual formavam-se guerreiros e guerreiras para o ataque e a defesa da população, onde não se perdoa pelo erro e a conversa é direta, sem malícia, para saber com quem está lidando e com quem não se deve lidar. Instituição voltada para a sobrevivência, para a defesa e para a guerra, que com rituais específicos, como fornicar com um jacaré ou lutar com leopardos em África, provavam a resistência daqueles que primavam pela liberdade, disciplina e trabalho duro, pois em uma terra desconhecida ou comandada pelo opressor não tinha nada a perder, apenas a vitória de ter lutado.
    A instituição quilombola cresceu e se espalhou pelo Brasil, mas também esteve presente no Sul dos Estados Unidos, no Caribe e no Norte da América do Sul, sendo uma verdadeira ameaça para as instituições ocidentais vigente, pois o Quilombo agregava também as outras formas de resistência como a escola superior e filosófica do Jongo e a escola da vida e de ensino básico como a capoeira, posteriormente a disciplina e fé da religiosidade africana, baseada nos panteões da cosmovisão bantu e depois a visão de mundo nagô, que se expande entre os grupo Igbo, Yoruba, Edos, Haussas, Mina, Ewé, Twi e todos aqueles litorâneos países que vão da Nigéria até o Senegal.
    Fé e disciplina que como uma nova forma de escola espiritual, contribuía para que africanos fossem infalíveis nas suas relações com a natureza, com a culinária, com a confecção de vestimentas e nas suas relações com a personalidade humana. Os Bantus não poderão ser ignorados jamais, e os “Nagôs” sabem muito bem disso.

    Alguns nagôs chegaram em pequenas proporções no início da colonização brasileira, mas diminuíu e apenas após um pouco mais de 280 anos eles voltaram chegar em peso. Era uma cultura de poder centralizado, com organizações políticas burocráticas e às vezes monárquicas parlamentares, que se relacionavam com os Muçulmanos do Norte da África, que ao criar redes de comércio favoráveis entre muçulmanos, favoreceu que as elites destes locais, como dos impérios Iorubás, Haussás, Kanen-Bornu, Gana, Senegâmbia, Mali, entre outros como do grande Mansa Mussa e de Sundiata Keïta, aceitassem os islã para poderem fazer os seus comércios, influenciando assim, de forma profunda o islã, já que o próprio povo não foi tão favorável a este convertimento e o islã teve que se adaptar nestas regiões da África ocidental. O Islão não tentou de forma alguma se impor na região, pelo contrário adaptou-se, como aconteceu no caso dos povos Haussas no Norte da Nigéria, que inclusive traduziram de Árabe para a língua Haussa palavras do Alcorão.
    Entretanto em meados do século XIX e fins do século XVIII, ocorreu uma grande guerra santa do islã contra as religiões tradicionais, e os europeus aproveitaram que a Guerra Santa, chamada Jihad, desestabilizou os centros de poder destas elites e aproveitou para vender africanos escravizados para a América, mesmo com o tráfico de escravos proibido no Oceano Atlântico, que era fiscalizado pela Inglaterra. Estes africanos escravizados chegaram aqui com esta dicotomia islã-candomblé, sabendo escrever em árabe ou sabendo apenas rezar as preces do islão, além de terem algumas práticas que o islão tinha se perdido no meio da cultura tradicional africana.
    No fim disso tudo estes africanos, chamados ” Nagôs” encontraram os povos bantus, de cultura de resistência e tentaram agregar as duas instituições, como a africana “bantuizada” ou as instituições ocidentais, através de articulação com autoridades locais, como os portugueses ou as elites, assim como eles estavam acostumados a lidar com os muçulmanos desde o século XI na África, portanto permanecendo com a sua cultura, fortalecendo-se e cada vez mais entrando na academia e nos seio da elite brasileira, como se fosse uma cultura “superior”, o que não era, mas apenas um meio de resistência e adaptação entre as instituições, sem perder a essência africana. Bem diferente do que você disse que o candomblé é afro-árabe, ou afro-islamizado, ou as religiões bantus são afro-católicas.
    Isto ainda impera ainda hoje, inclusive encontrando religiões africanas na África ocidental ou África Central, no qual se recusam a estarem presentes ou participarem de instituições ocidentais, como o trabalho por produção, por exemplo. Enquanto outros preferem se dizer evangélicos, católicos ou muçulmanos apenas no discurso, mas não esquecem e não deixam de praticar a sua cultura tradicional que é mantida por avós, tios ou tias, pais ou mães. Um abraço!

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  2. Pois é, Murilo. Ocorreu o mesmo comigo. O que me salvou foi o fato de começar a fazer pesquisa de campo para embasar a música popular que queria praticar. Comecei logo a ver que a música do interior que eu registrava nas pesquisas, ouvindo da boca de parentes, etc., não tinha nada a ver com esta coisa de “rei nagô” aí.

    Nem foi difícil achar os argumentos para constatar que era tudo uma farsa etnológica construída com fins políticos bem reacionários. O problema é o quanto este loby elitista se entranhou na sociedade brasileira, na academia, nos meios do movimento negro de classe média.

    Folk fake isto aí. Dificíl raspar esta casca.

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  3. Para ver como a internet é curiosa. Uma hora atrás não tinha consciência do porquê a vertente iorubá ser a mais visível das raízes africanas da cultura brasileira. Ouço “Funeral de um Rei Nagô”. Pesquiso sobre os nagôs, e quando vejo, descubro que houve todo um movimento de preservação e promoção de tal vertente por parte dos descendentes dos iorubás. Quando mais se aprende, mais você percebe como é ignorante. Obrigado por este texto.

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  4. Perfeito , sairemos , com a benção do grande sacerdode Anon Malzebier II, direto para a pirâmede paramedica do sábio e esculápio de renome Antom upa III , para as primeiras sangrias e ventosas , com a fé em Amom , sairemos vivos.

    é nós na fita e os plaboys no dvd.

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  5. Fechado , com aspirinas para dois(roleta russa em pilulas) no bar do Egydio , conhecido afro -dono-de bar- descendente ( sem origem conhecida ) o não menos famoso
    bar ‘Mumias do Egydio”

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  6. Cervejas pretas é uma boa. Uma marca “Nagô bier” outra “Bantu Bier”. A que der dor de cabeça é a parceira do inimigo dono da cerveja ‘Blank bier”. Já tenho a minha caixa de “Malzbier” reservada (não é nem nagô nem bantu). Não vale ‘Caracu com ovos’. Desta tenho alergia.

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  7. Não , meu velho , você esta levando estas roupas , mas vale a boa inetenção , como diria o mais velho Deley de Acari , ” De boa intenção tá cheio o inferno (dos outros ) e o novo leblom , proponho um duelo com cervejas ( pretas) .

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  8. O inimigo certo , velho spirito , por vêzes se esconde em nossas sombras , pior não é lavar , é levar nossas roupas limpas , pros brancos sujarem

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  9. Pinto,

    Vovó Maria da Memória, coitada, caducou de tanto procurar o inimigo certo e de ficar lavando roupa suja em casa. O inimigo certo não é burro nem está sozinho. Os capachos dele merecem ser revelados também, ora. Porque não?

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  10. Spirito , Vovó Maria da mémoria , desfaz o seu artigo em 3 dias , ou lhe empresta alguns milênios de histórias desconstruidas
    Pô , vamos atirar no inimigo certo !

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  11. Sera’ que a Luana sabe que nao existe essa coisa de nagos em Africa?

    O que acho engracado quando falam sobre essas tolices de melhor organizacao, seria que o maior e mais organizado movimento contra a escravidao no Brasil foi completamente Bantu…Quilombo dos Palmares.
    Totti

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  12. Luana,

    Cegueira branca, como diria o Saramago.

    Curiosamente acabo de escrever exatamente sobre isto. Infelizmente as suas colocações são marcadas pela repetição cega de um preconceito muito arraigado na cultura brasileira, este de que existem negros culturalmente superiores (os descendentes dos nagôs) aos outros (todos os demais).

    É um equívoco dramático, terrível por que contaminou o pensamento até de pessoas negras (como imagino que você seja) que não percebem a armadilha racista em que estão aprisionadas. O mais incrível é que parece que você não leu uma linha sequer do que escrevi antes, explicitando como este ‘auto preconceito’ venenoso foi instilado em nossa cultura, bem como as intenções dele em nos manter submetidos aos brancos (os ‘mais superiores’ que todos os outros, os nagôs inclusive).

    Decepcionante. Não guardo muitas esperanças em você não, mas espero que leia esta próxima matéria, ao menos com atenção. Sempre resta uma esperança.

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  13. A impressão que se tem é que os nagôs são mais organizados do que os bantos. E uma outra impressão que nos forma é que, onde há um nagô, um outro vem para manter a identidade a partir da crença, por isto esta união entre eles.

    Lendo sobre o candomblé angola no sul da Bahia, que é de origem banta, percebe-se que não é tão organizado como é o do Recôncavo, que é de origem nagô.

    Mas penso que esta ideia de organização passa-se pelas origens identitárias dos nagôs na própria África, devida a sua cultura avançada. Os nagôs têm porte altivo e são belos, foram escravos, mas não perderam a elegância, isto é visível nele. É só sentar-se em SSA e observá-los. Não é que os outros sejam inferiores, ao contrário disto, todos são iguais, mas penso que o que difere é estarem mais à frente do que os bantos nas questões do viver organizadamente enquanto identidade étnica.

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  14. Caraca! Que honra! Eu mesmo tenho que reler. Só li ela toda na hora de escrever. estou pensando em amarrara as pontas dos posts e transformar num pequeno livro.

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