Sinhá Marta na casa de marimbondos

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Siná Marta

‘Movimento Negro’ e ministra da cultura do Brasil se encontram no Rio

Que foi emocionante foi.

Mais uma vez em pouco tempo, o que se poderia chamar de ‘Movimento Negro‘ se reuniu numa espécie de plenária ou assembléia aqui no Rio. Soube por fontes de alto nível que estes encontros, a partir de um inicial no Rio, se espalharam por várias cidades do país com a mesmo grau de adesão e empolgação.

A hora é esta.

A visão de tantas pessoas – na verdade quase TODAS as pessoas – negras e engajadas de grande parte do país, superlotando o teatro do Centro Cultural Banco do Brasil no Rio, foi um fato por si só excepcional. Uma demonstração de união e capacidade de mobilização de certo modo inédita – impressionante mesmo – e até improvável há bem pouco tempo atrás.

Incrível. Compareceram figuras carimbadas de, rigorosamente de todas as áreas, a maioria ligadas à cultura, é claro, dada a pauta sugerida (mais verbas para o fomento da cultura negra do país).

Entre outros tantos, tão importantes quanto os outros nem tão famosos, estiveram lá o indefectível Carlinhos Brown, alta celebridade baiana (sem as suas caxirolas), a não menos célebre Ialorixá Mãe Beata.

Uma enorme comitiva da Bahia veio ao encontro em avião, segundo se disse lá para as tantas, bancado pela própria Secretaria de Cultura de Salvador. Estava lá também o cineasta paulista Jeferson De, diretor do festejado ‘Bróder’ e até mesmo o gente boa Chico Cesar com a sua “Mama África” na alma e agora a missão de ser o secretário de cultura do Estado da Paraíba.

(Nada a ver, mas é engraçado como temos que inserir a palavra “Estado” sempre que falamos da Paraíba. Acho que é para não confundir o estado com o indivíduo “paraíba”).

Enfim fortes ventos de mudança. Momento promissor este, as pessoas todas com ânsia de se encontrar, mobilizadas como marimbondos instigados para em revoada – ou ferroadas – mexerem com as coisas, mudando a casa de marimbondos Brasil, sabe-se lá para que lugar.

Movimento o quê?

(Hora de tentar explicar rapidinho aos leigos e aos mais garotos o que é este “Movimento Negro”colocado aqui entre tantas aspas, como vocês verão, por razões até bem pertinentes):

É que o que o chamamos de “Movimento Negro“ é uma entidade apenas simbólica, não sendo hoje, exatamente uma organizaçáo, um partido (graças a Deus!) ou uma frente, como o nome sugere. Ele é atualmente, aleatoriamente formado pelo conjunto de pessoas negras mais voltadas para interesses específicos e comuns, de forma geral ligados à Cultura negra, à denúncia e ao combate do racismo no Brasil.

No passado, ali pela década de 1970, ocasião em que a expressão surgiu, aí sim: o “Movimento” era caracterizado por um conjunto de pequenos grupos culturais (alguns até religiosos) organismos ideológicos – político culturais, digamos assim – que atuavam mais ou menos como uma frente forte e respeitada.

Me recordo claramente que, no embalo da reorganização dos antigos partidos que estavam banidos pela ditadura militar, logo depois da anistia política, foi ventilada até a possibilidade de se criar um “Partido Negro” (o que, cá entre nós, teria sido uma maluquice sem tamanho.)

A bem da verdade, o que começava a reorganizar-se na década de 70 já havia sido ensaiado muitas décadas antes. Tivemos muitas experiências de organização dos negros urbanos no Brasil semelhantes no passado. A Frente Negra Brasileira – integralista, de direita portanto, diga-se – e o TEN (teatro Experimental do Negro), ambos de grande projeção entre os anos 30, 40 e 50 foram as mais célebres.

A nova – e jovem – frente negra da década de 1970, era formada por um pool de ‘entidades’ sócio políticas como o IPCN, o SIMBA, o CEBA, MNU (uma tentativa de unificação, infelizmente logo aparelhada pelo PT), etc. Havia também um grupo articulado de “entidades” artístico culturais, entre as quais o grupo de dança Olurun Baba Min (do músico Carlos Negreiros) e o musical Grupo Vissungo (do Titio que vos fala) foram destaques.

Esta estrutura dinâmica e bem articulada, de alta capilaridade e visibilidade social – sua grande força – foi a versão mais bem acabada disto tudo aí que, de maneira saudosista chamamos hoje de “Movimento negro”,

É que tudo isto meio que volalatizou-se na década de 90.

É importante que se observe, atentamente por favor, que o esvaziamento deste caráter gregário das instituições populares organizadas no Brasil, que era uma marca visível de nossa sociedade civil pós ditadura, não ocorreu apenas com o “Movimento Negro”.

Aparentemente várias organizações semelhantes – sindicatos, movimentos feministas, estudantis, etc. – se esvaziaram rapidamente com a volta dos partidos políticos que as sugaram, cooptaram, logo depois do movimento de massas das ‘Diretas Já”.

Este processo se agudizou, severamente com o advento do PT ao poder, momento no qual quase todas estas instituições criadas nos anos 70, viraram espécies de apêndices do governo, processo que torna agudo com a proliferação de instituições governamentais de ‘promoção da igualdade racial’ a partir da virada do milênio, versão totalmente ‘chapa branca’ (ops!) das saudosas frentes negras independentes do passado.

O fato é que tudo no Brasil em termos de representatividade e ativismo popular, aliás, caiu neste buraco negro, neste vazio profundo que só explode mesmo (com um pequeno parêntese do movimento “Fora Collor”) com os coquetéis molotov deste junho de 2013.

O ensejo anterior, o start não menos emocionado destes encontros todos promovidos por esta nova Fundação Cultural Palmares (dirigida agora de forma proativa por Hilton Cobra), foi a famigerada liminar de um juiz maranhense que embargou os editais de cultura negra abertos pelo MinC.

(Consideremos que já na formulação destes editais, alguma displicência jurídica parece ter ocorrido, pois, foram muito comuns os comentários de candidatos aos concursos, aludindo à eventual inconstitucionalidade dos mesmos)

O lançamento – e o posterior embargo – destes editais, embora tenha tido uma participação apenas passiva do “Movimento Negro” (já que a iniciativa foi governamental), afora as eventuais intenções eleitoreiras que podem tê-los inspirado, acabou se tornando um ato de muita relevância neste contexto de lutas culturais do negro do Brasil. Um mal que veio para bem.

Este segundo encontro, do mesmo modo ensejado por esta demanda, foi engrossado pela intenção manifesta da atual ministra da cultura Marta Suplicy de se encontrar com este “Movimento Negro” para debater, entre outros assuntos a questão dos editais.

A principal e mais objetiva notícia trazida pela ministra, aliás (informada por um advogado do MinC trazido por ela para o encontro), foi a da obtenção de uma liminar que suspende provisoriamente a do juiz maranhense, e reabre os concursos, deixando apenas o pagamento dos prêmios sub judice.

E viram?…Os negros do Brasil, com ou sem movimentos organizados, nem precisaram ir ás ruas (até porque os poucos que foram, de concreto, tomaram mesmo foi muito tiro e porrada)

Mas exultemos sim: O que não fazem os rebus e a ira santa de qualquer parcela de povo nas ruas, branco ou preto. Ver as ‘poderosas‘ (e os ‘poderosos‘) todas do Brasil descendo de suas rampas e saltos altos, mordiscando brioches dormidos junto com conosco, a plebe ignara…Não tem preço.

Voltando ainda ao encontro deste 09 de Julho no CCBB, instigado a coloborar com algo que não seja apenas a minha opinião emocionada, aquela imensa black platéia me sugere também reflexões bem menos idílicas e românticas. É que o Titio já tem mesmo – alguns já sabem – mais de 40 anos de janela, de praia, de vivência nesta coisa de militar contra o racismo no Brasil.

O Titio, alíás – mais por força de sua atuação na Internet do que por seu passado de crioulo militante – estava listado para falar no encontro, gentilmente convidado pelo anfitrião, Hilton Cobra. Cheguei mesmo a preparar uma minuta da fala. Com o andar da carruagem do encontro, contudo, uma fila enorme de gente para falar, além de algo irritado com as abobrinhas politiqueiras lançadas pela ministra, confesso que em dado momento passei a preferir NÃO falar.

Imaginem: Com o tom monocórdio de benemérita mãe dos pretos, dona Marta lá para as tantas deu de nos “ensinar” como havia sido o tráfico de nossos antepassados escravos para as Américas e o Brasil. Pode?

O Titio mesmo foi um dos primeiros a resmungar injuriado. Gente! A sinhá estava tendo a pachorra de nos enxergar ali como qualquer fazendeiro escravista enxergava no passado a sua ex-escravaria inculta, formada no pátio da fazenda ouvindo coisas velhas sobre a ‘nova’ ordem que ele imporia depois da abolição.

O que esperar de uma relação assim?

Foi daí que o que me instigava no encontro passou a ser a constação constrangedora – e não menos emocionada, confesso – de que aquilo tudo não passava muito de mais do mesmo, um filme em remake, já visto em outras versões por muitos dos velhos militantes ali presentes que, com suas caras de enfado ressentido, pareciam ter tido a mesma sensação de deja vù.

(E viram então porque não falei lá? Intempestivo e impaciente havia me armado com um balde de água fria totalmente despropositado para o momento)

Desisti de falar. Se falasse, destoando das falas dos outros, até mesmo dos mais protestantes e críticos da fala da ministra (já que sobre a fala dela nada me interessava comentar) receio que espantaria o encantamento que emanava naquele teatro do encontro. Viraria um chato de galochas, um estraga prazeres, principalmente para os mais jovens, que nunca na vida haviam tido a chance de ver tantos negros – vários famosos inclusos – reunidos em torno de um ideal comum.

É por estas e outras que preferi guardar o que diria lá para dizer agora, no recanto mais objetivo de uma fala escrita, melhor refletida, portanto. Vamos lá:

Os marimbondos - Foto Zezzinho Andrade

Os marimbondos – Foto Zezzinho Andrade

Dia seguinte à Abolição.

…O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a tôda a gente que dêle teve notícia; que êsse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposições) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu.”

(Machado de Assis – Crônica publicada em 19 de maio de 1888 no jornal “A Gazeta de Notícias”)

Foi bem esta a sensação que tive (emocionada pelo desalento que me inspira) ali, constrangido entre centenas de negros amontoados no teatro, ouvindo uma espécie de sinhazinha ‘sem noção’ falando como a escravidão assim perpetuada, com ela e seu governo, daqui para a frente iria ficar ‘melhor’, mais ‘humana’ e etc. E tal.

Pois sim.

Este tipo de constrangimento, como disse, já havia passado várias vezes na vida, participando de plenárias ou assembléias do “Movimento Negro” que, ao final das contas serviam mesmo é para legitimar golpes de mão de interessados em cargos em governos populistas, ou para viabilizar decisões que, ou já haviam sido tomadas de antemão por alguma eminência parda (ops!) ou não teriam efeito prático algum, senão azeitar os interesses eleitoreiros do patrão interessado (como personagem de Machado) em “ser deputado” (coisa que Marta, num falso ato falho de vários minutos, insinuou para platéia atônita fazendo propaganda de seus ‘Céus”)

(E viram lá a coincidência ou a premonição do bruxo? Machado de Assis cita sem querer os “Céus” da Marta. Que gênio!)

É muito elucidativa esta analogia sim. E ela fica mais candente ainda no momento atual quando todas as instituições da chamada “sociedade civil organizada” (depois de desorganizadas pelo surpreendente aparelhamento perpetrado pelo partido no governo), ameaçam se refundar, sair do purgatório onde andavam confinadas.

É disto que falaria no encontro: do quanto aquela massa meio amorfa de negros, sinceros militantes potenciais, por uma causa tão crucial à democratização total do Brasil, demonstrava, clamava pela necessidade de organização. Falaria portanto do quanto a ausência de uma estrutura organizacional mínima, a fundação de um Movimento Negro real – faz falta nestas horas em que aparecem as oportunidades de dar o bote certeiro, o pulo do gato preto no sistema.

Estivéssemos organizados não passaríamos pelo constrangimento de ouvir a ministra – no momento mais infeliz e racista de sua fala – duvidar da existência de projetos de qualidade no rol dos milhares de inscritos nos editais de cultura negra do MinC. Pelo contrário, a quantidade recorde de inscritos significava, isto sim, que a possibilidade de existirem projetos de qualidade era bem maior do que se poderia esperar. A questão mais duvidosa, portanto, é a ridícula e irrisória capacidade de fomento do ministério, tão aquém da demanda colocada pela massa negra.

Massa amorfa. Forte, não? Mas foi assim mesmo que dona Marta nos viu naquele encontro, uma massa marron ferfilhante de boas ideias e intenções, criativa sim, unida sim, mas ainda sem propostas claras e objetivas à apresentar, sem um projeto, sem um plano. Uma massa passiva, vulnerável ainda a qualquer proposta boba governamental, como as muitas que ela, um tanto displicentemente sugeriu.

Julgou-nos capazes de aceitar prontamente o que ela, a Magnânima, nos oferecesse, mediante um ‘cala boca’ desses qualquer, verbas mínimas, chances mínimas, conquistas mínimas.

Endossá-la, seria – não fossem os cochichos incomodados da platéia – quase como aquela escravaria imensa, liberta em 1888 sem futuro algum à vista, dançando algum jongo submisso em honra a “libertadora” princesa Isabel.

Sinceramente, acho que nós, negros do Brasil – que é majoritariamente negro, – já temos pulgas demais em nossas orelhas e estamos prontos para, de forma firme e objetiva passar a EXIGIR. Exigir mais, tolerar menos, nos darmos ao respeito enfim.

O que fazer?

Sei lá. Mil coisas. Se soubesse me elegia presidente do Brasil e acabava com esta bagunça em seis dias (tomava um porre homérico no sétimo). Mas posso sugerir algumas cositas básicas sim, bem cabíveis nestes casos.

Não. Não sei porque o “Movimento Negro” é assim, porque ‘temos’ (como alguns tolos afirmam orgulhosos) esta tendência a exercer o elogio à quizumba, à informalidade e à desorganização, como se estas fossem…”coisas nossas”, mantendo este traço tão discutível de bom selvagem como um estilo a ser preservado, quase como um traço etnogenético que nos representasse.

Não me representa!

Não acredito, absolutamente em atavismo racial, nesta coisa de pretos serem assim os dionisíacos e os brancos serem, por seu turno os assados apolíneos, os ‘caxias’ ou ‘cús de ferro’.  Este tipo de aberração conceitual cabe bem é naquela quase antropologia eurocêntrica do século 19, tão confortável aos sistemas racistas do mundo inteiro até hoje.

Em vez de esperar e nos lamuriar não seria melhor avançar?

A “Síndrome do Escravo”

O Racismo brasileiro é sistêmico, não é? Quem não sabe? Só falta agora deduzir o resto que é óbvio: O Estado brasileiro É racista, ora! Não tem muito a ver cobrar à uma ministra de estado racista o que quer que seja, muito menos dar-lhe satisfações sobre o que, com que meios e como faremos o que nos compete fazer para nós mesmos, por nossa própria conta e risco, para sair desta situação intolerável e indigna.

O Estado brasileiro É racista. Repito. Logo, este Estado não nos nos representa. Ponto.

Para o Ministério da Cultura nos representar – como bem disse Mãe Beata no momento mais eletrizante de todo o encontro – precisaria nos respeitar como cidadãos, nos devolver, na parte que lhe toca, os direitos surrupiados ou vilipendiados (e eles orçam em muito mais do que 40%, podem crer.

E isto…já.

O MinC está podendo? A ministra, enfaticamente reconhece que não.

Por conta do não cumprimento desta exigência elementar (oh! Por Deus! Todos nós vimos o quanto o Estado brasileiro precisa e teme o fogo no rabo) este nosso modo submisso de lutar contra o racismo no Brasil, calcado demais numa visão de democracia muito subalterna é mesmo uma espécie de obediência conformada, sempre dependente da anuência do senhor, como liberdade condicional, concedida e não conquistada

É Intolerável já esta situação.

_”Mas e aí, Titio? É só isto aí, esta onda de escrever pelos cotovelos, esse discorrer meloso de críticas e regras de velho ressentido?” _Dirão os ‘titios’ como eu e os ‘sobrinhos’ todos, em coro.

Mas digo sim. Se me permitem tenho propostas bem concretas e concebidas para apresentar. Nada realmente novo nem original, confesso, mas tenho. Penso nelas há anos, sempre que saio constrangido de uma destas plenárias com sumidades ou autoridades brancas. Sonhava sim, há bastante tempo com a Hora Grande em que seria possível propor isto que, com certeza, de algum modo, anda revolvendo a cabeça de todos mais velhos como eu. A Hora Grande, felizmente parece que chegou.

E aqui um adendo fundamental:

Alguns poderão argumentar que o promissor ativismo demonstrado pelo coletivo AKOBEN, mobilizador do encontro com a ministra, nos representa sim. Titio diz: Menos…menos.

O AKOBEN é uma jovem vanguarda, surgida inclusive de uma demanda específica de artistas (da qual o atual presidente da Fundação Palmares era a liderança) importantíssima neste momento, fundamental até, mas o grupo não pode ser considerado – nem se considerar – a representação legítima de algo tão complexo quanto o “Movimento Negro” do Brasil.

Neste sentido, a apresentação de um documento à ministra, em nome de todo o “Movimento Negro”, sem que o seu teor tivesse sido previamente ao menos apresentado ou debatido por uma plenária, foi um erro único, porém grave que, não deveria se repetir.

O vanguardismo é um dos principais fatores de deslegitimação de movimentos sociais. O mais provável é que, a partir de agora muitos outros ‘akobens’ (grupos de artistas negros independentes) surjam e, num ponto mais adiante do processo se organizem numa frente para que a história do “Movimento Negro” do Brasil se recicle.

Daí será partir para o Grande Abraço.

Querem a chave mágica? Eu também. Só posso dizer o que é crucial: Organizar, é a palavra de ordem. O resto a gente ajeita. Sendo assim, é com satisfação que a “Titio produções” sugere e apresenta:

Por uma Refundação Cultural do ‘Movimento Negro’ do Brasil

A Questão chave

(quem leu Amílcar Cabral, pai da pátria guineense nos anos 70, vai entender tudo sem precisar de bula)

Fica bastante evidente por tudo que vimos até aqui que a questão cultural – a cultura negra por suposto – é estratégica na luta contra o racismo no Brasil.

A evidência mais límpida e clara disto é que a sociedade brasileira radicalizou tanto a exclusão sócio racial que a cultura do Brasil acabou ficando marcada, profunda e indelevelmente por fatores oriundos da África, forjada que foi pelos africanos e seus descendentes que, de escravos passaram a exercer o papel de Povo.

A cultura brasileira no geral, passou a estar dividida então entre uma cultura letrada, de forte teor eurocêntrico (denominada “Cultura Brasileira“) interessante e exclusiva à uma minoria branca e, do outro lado da cerca, pela plebe, praticante de uma cultura oral, iletrada (denominada, grosso modo “Cultura Popular“) de forte teor afrocêntrico, praticada pela maioria esmagadora da população.

Por este ponto de vista, democratizando-se o acesso de artistas e criadores negros ao mercado, aos meios de produção e fruição de seus trabalhos e manifestações enfim, o conceito “Cultura Negra” (ou ‘afro brasileira‘, tanto faz) terminará por não fazer mais nenhum sentido. A conclusão a que se chegará enfim, em algum ponto da evolução deste processo, é que “cultura negra’ brasileira, simplesmente É, por todos os parâmetros histórico antropológicos disponíveis, a natureza intrínseca da própria Cultura do Brasil.

Estaríamos por força deste nosso racismo tão renitente e continuado, impossibilitando a emergência e a fruição da própria Cultura Nacional.

Pura esquizofrenia não é não? Isto é o “complexo de vira latas” rindo amarelo e mostrando a sua cara pálida.

Por esta questão chave diversas outras questões suplementares, relacionadas todas elas ao racismo, poderiam ser, talvez, melhor explicadas. Entre estas questões sobressai por exemplo, gravemente (no âmbito exclusivo do MinC/Iphan) aquela a que denominei “Cultura negra sem negros”.

O fenômeno, muito controverso, se caracteriza pela infiltração, cada vez mais frequente de grupos de classe média branca em manifestações culturais populares (‘afro brasileiras‘ em sua esmagadora maioria) como intermediários ou mesmo participantes ativos, atraídos, geralmente pelas facilidades de acesso a recursos financeiros de fomento à cultura imaterial por exemplo (sempre muito burocratizados)

Chamo este segmento também de ‘predadores culturais‘, espertos manipuladores de uma ingênua ralé festeira que somos nós, os negros do país.

A natureza dos editais do MinC para o fomento de artistas e produtores culturais negros toca, precisamente nesta questão fundamental. É no ensejo de avançarmos nesta direção menos subalterna de luta contra o racismo que proponho, objetivamente o seguinte:

Promover com urgência um ‘Congresso Nacional do Negro‘.

1 – Concebido e planejado por um grupo de “mais velhos” mestres (e não exclusivamente doutores acadêmicos convencionais) comprovadamente habilitados em saberes específicos – inclusive políticos e ideológicos – arregimentados e selecionados dentro deste “Movimento Negro” simbólico (numa plenária ampla, como as descritas neste post).

2 – O referido congresso contaria com a sustentação e o apoio integral do MinC (com a coordenação da Fundação Palmares) com pautas estratégicas, entre elas a criação de subsetores táticos (para efeito de ordenação dos futuros debates), incumbidos de criar no ensejo do congresso, uma estratégia de REFUNDAÇÃO da luta contra o racismo no Brasil, no âmbito exclusivo da cultura.

2- Neste processo, no âmbito do congresso ou mesmo fora dele, proponho efetivamente que, paulatinamente se processe a DESCONSTRUÇÃO de todas as entidades negras governamentais (com exceção da Fundação Palmares) desatrelando-as do Estado, constatada a ineficiência da estratégia, aproveitando, contudo, aspectos estruturais destas, como modelos a serem considerados para a REFUNDAÇÃO citada no item anterior.

3 – No processo de redesenho desta estrutura organizacional e da descontinuação das secretarias governamentais de promoção Racial (suppirs, seppirs, etc) proponho a criação de núcleos de capacitação e estágio para negros como técnicos em cultura, junto aos institutos, fundações e departamentos do MinC (sempre com a coordenação da Fundação Cultural Palmares)

A partir desta minuta sumária proponho também que se aprofunde a presente proposta em seus aspectos omissos.

No mais e por enquanto, isto é o fim.

Tuala Kumoxi!

Spirito Santo
Julho 2013.

6 respostas em “Sinhá Marta na casa de marimbondos

  1. …”Estivéssemos organizados não passaríamos pelo constrangimento de ouvir a ministra – no momento mais infeliz e racista de sua fala – duvidar da existência de projetos de qualidade no rol dos milhares de inscritos nos editais de cultura negra do MinC.”

    Já é um vexame ter de ouvir esse tipo de “fala do trono” disparada por gestores públicos ligados a pretensos patrocinios. Mas o pior constrangimento ainda é olhar para o lado e ver os nossos iguais, pretos, com a atitude daqueles cachorrinhos enfeites de táxi que ficam movendo a cabeça como dizendo sim,sim, sim…

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  2. Confesso que não lembro do seu nome, mas claro que lembro do Jean Mitchel e da matéria sobre ele. Muito emocionante e triste. Me lembro que comentei muito emocionado.

    Claro que vou divulgar sim. Obrigado

    Abs

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  3. Oi, Spirito! Tudo bem? Provavelmente, você não lembra de mim. Escrevi no Overmundo há cinco anos sobre Jean Mitchell, o bluesman francês que virou sem-teto na Bahia e que acabou morrendo de consequências do alcoolismo. Um amigo de Jean, Gustavo Arruda, criou uma página em homenagem a ele no Facebook. Gostaria, portanto, de convidá-lo a conhecê-la. Se for o caso, poderia ajudar a divulgá-la também? Ficaria imensamente grata. Segue o link abaixo. Um abração! https://www.facebook.com/JeanEugeneMouchere

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