‘Nobre Negão’ or 17’ century african nobleman

Creative Commons LicenseTodo o conteúdo deste blog está assegurado sob uma licença Criative Commons. (Retrato realizado pelo pintor holandês Albert Eckhout de D.Miguel de Castro, nobre do Reino do Kongo, durante uma viagem comercial à colônia portuguesa do Brasil. O quadro é do século 17 e pertence ao acervo do Museu Nacional da Dinamarca).

Retrato atribuído ao pintor holandês Albert Eckhout (uns atribuem a Jasper Becx) de D.Miguel de Castro, nobre do Reino do Kongo – ou do Nsoyo –  durante uma viagem comercial à colônia portuguesa do Brasil. O quadro é do século 17 e pertence ao acervo do Museu Nacional da Dinamarca).

17’ century african nobleman

A informação é surpreendente. Praticamente inédita. Para os mais empedernidamente crentes no primitivismo selvagem dos africanos nos idos do século 17, a notícia é mesmo i-na-cre-di-tá-vel.

Mas é fato. Modéstia à parte um achado historiográfico impressionante.

Corro atrás de evidências sobre este mistério há muitos anos, depois de ter lido em algum lugar, num texto de Câmara Cascudo, uma informação muito vaga sobre uma mítica embaixada que a rainha Nzinga Mbandi (Jinga) teria enviado ao Brasil, á época do domínio holandês.

A ausência total de qualquer outra referencia sobre o assunto – apenas ventilado por Câmara Cascudo num daqueles seus livros de folclore, quase como se fosse uma lenda colonial – sempre me intrigou, apaixonou.

Pensei na época, instigado: E se fosse verdade? Quantos paradigmas seriam quebrados acerca das relações entre africanos e europeus no âmbito das conflituosas relações intercontinentais no século 17?

Pois bem amigos, eu pesquisador leigo, bisbilhoteiro profissional, consegui provar com dados absolutamente cabais e inquestionáveis o fato perseguido:

Na década de 1640, em pleno domínio holandês no Brasil e em Angola, uma embaixada africana viajou até Recife sim. Veio comandada por um nobre africano e trouxe presentes (ouro, marfim, escravos, etc.) para o governador geral do Brasil holandês Maurício de Nassau. Nem ouse duvidar.

Tenho para comprovar a vocês esta sensacional descoberta nada mais nada menos que o retrato fiel do próprio embaixador angolano e de dois de seus servos com amostras de presentes trazidos para o dignatário holandês.

É tudo verdade, gente! Está atestado! Mesmo que você relute e não queira, vai ter que acreditar.

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Albert Eckhout juntamente com Franz Post, foram os principais artistas holandeses que, oficialmente fizeram parte ativa do grupo trazido por Maurício de Nassau no século 17, para fazer o registro artístico e documental da ocupação holandesa no Brasil no período entre 1640/1648).

Na crônica sobre este período, chama a atenção a hipótese de ter havido pelo menos uma grande viagem diplomática mandada ao Brasil (ao que tudo indica foram três), por iniciativa da Rainha Nzinga Mbandi do reino do Ndongo-Matamba a pedido de seu irmão o Rei do Kongo na época Nkanga a Lukeni (D. Garcia II), inimigos que eram de Portugal na época, com o objetivo de negociar com a Companhia das Índias Orientais e Ocidentais.

A inusitada viagem ocorrida, segundo as poucas fontes existentes em fevereiro de 1642 (provavelmente a única integrada e comandada por africanos registrada na história do colonialismo no período) foi bancada pela coroa holandesa que segundo pouquíssimos relatos, enviou especialmente da Europa um navio denominado ‘As armas de Dortrecht’ até o porto de Luanda e daí até Recife para depois seguir para Amsterdam, tendo como chefe da missão aquele que seria o tio dos dois soberanos africanos, o Conde de Nsoyo.

O reino do Nsoyo sempre fora associado ao do Kongo por laços de parentesco (geralmente governado por um tio do Rei do Kongo), com curtos períodos de cisão, por conta das regras de sucessão e divisão do poder e do território nos reinos da região, fundadas em laços de família (‘kandas’) com origens ancestrais remontando a fundação do reino hegemônico do Kongo por volta do ano 1300/1400).

Considerando-se o curto espaço de oito anos que este tipo de flagrante contou para que pudesse ser realizado (o tempo em que os holandeses tiveram acesso e controle da situação nestas colônias é historicamente bem restrito) é instigante a possibilidade deste D. Miguel de Castro – que um documento da época o designa como ‘rico comerciante’ – cuidadosamente vestido como um nobre holandês, chefe reconhecido desta, com toda certeza, rara missão ao Brasil, tenha sido na verdade alguém ligado diretamente à Nzinga Mbandi, quem sabe o próprio Conde de Nsoyo, seu tio.

Além deste existem outros retratos também realizados pelo mesmo Eckhout, por ocasião da mesma viagem, com as figuras descritas como sendo dois ‘servos’ de D.Miguel de Castro, do mesmo modo vestidos com roupas holandesas, um portando um cesto decorado que deve conter ouro e o outro com uma enorme peça de marfim.

image Servos do embaixador congolês D. Miguel de Castro, na viagem à Recife e Amsterdam em 1642. Estas duas telas, um trítipico (existe uma terceira tela com uma mulher) é atribuída a Jasper Becx (não existe confirmação de sua presença na comitiva de Nassau) mas pode ser também, provelmente de Albert Eckout. Existem ainda controvérsias. O servo com a presa de elefante chamaria Diego Bemba.

Curiosa também é a informação – algo improvável a nosso ver – pelo menos segundo uma das fontes consultadas – de que a roupa holandesa dos personagens teria sido vestida na ocasião (ou mesmo aplicada na imagem posteriormente) apenas para compor uma peça de propaganda, com finalidades aculturativas)

Na pesquisa suplementar que ora realizo sobre os instigantes incidentes desta viagem – com a providencial ajuda do amigo angolano Aristóteles Kandimba, que residia na época, coincidentemente em Amsterdam, Holanda a poucos minutos da cidade portuária de Dortrecht, origem provável do navio que transportou o embaixador africano, o mais surprendente é a quase total ausência de dados ou documentos sobre tão inusitado fato histórico além dos que eu mesmo consegui encontrar.

As razões inacreditáveis deste formidável incidente histórico ter ficado oculto e obscurecido, quase desconhecido por tantos séculos é quase inexplicável. No caso da historiografia brasileira, tão pouco ciosa – quase displicente – diante das estreitas relações entre a história angolana e a brasileira isto é até explicável, mas o que dizer da historiografia mundial.

Pode ser que existam, mas nem mesmo em John Tornthon, emérito e arguto historiador da universidade da Pensylvania especializado neste período histórico empolgante, encontrei notícias ou mesmo a mais vaga referencia acerca deste fato, agora facilmente comprovado por meio da descoberta das telas de Eckhout.

Não consegui ainda relacionar o homem retratado por Albert Eckhout com o mandatário do reino do Nsoyo (que, como já disse, os primeiros indícios dão conta de ser tio da rainha Nzinga). Contudo o fato deste homem ter sido identificado com um nome português – D. Miguel de Castro– prática comum apenas entre membros da aristocracia da região (reinos do Kongo, Matamba, Ndongo, Nsoyo, etc) na qual Nzinga Mbandi era conhecida também como D.Ana De Souza e seu irmão Nkanga a Lukeni como D. Garcia II, é evidente que algum título importante neste contexto o embaixador retratado por Eckhout possuía, nada impedindo que ele pudesse ser realmente o mandatário do Nsoyo.

Falta também estabelecer, o que a informação inicial (da qual não possuo a fonte primária) não esclarece, se foi mesmo verdade que o navio ‘As Armas de Dortrecht’ seguiu para Amsterdam, para onde D.Miguel de Castro teria seguido afim de negociar interesses comerciais e militares da rainha Nzinga Mbandi e de seu irmão, Nkanga a Lukeni, com os – com certeza – acachapados executivos da Companhia das Índias Ocidentais.

O que qualquer um de nós não daria para encontrar dados mais detalhados, um diário de bordo, uma notícia fortuita qualquer de negros africanos andando pelas ruas de Amsterdam do século 17, algo emocionante sobre esta insuperável aventura histórica, sem precedentes conhecidos?

Contudo, desmontando em parte este meu pessimismo investigativo,  Rapahel Crespo, um amigo do facebook me escreve agora mesmo, num comentário surpreendente:

“Trata-se do retrato de um enviado do Rei do Congo, na categoria de embaixador, com a missão de rogar a Maurício de Nassau que interviesse no sentido de dirimir divergências que mantinha com o Régulo de Sonho, na embocadura do Congo. Enviaram para tanto o Rei do Congo, Garcia II (também referido como Garcia IV), e o Soba de Sonho, Daniel Silva, também chamado pitorescamente Conde de Sonho, aproximadamente na mesma época, seus delegados com presentes e mensagens quer para Nassau, quer para o Príncipe de Orange, quer para a direção da Companhia das Índias.

Há citações de que trouxeram os emissários do Rei um presente de 600 escravos, sendo uma terça parte para o Príncipe, outra para o Conde de Nassau e uma terceira parte para a Compania das Índias. Os emissários do Régulo de Sonho, chegados ao Recife em dezembro de 1642, eram três, e seus nomes ficaram registrados: Miguel de Castro, Bastião Manduba e Antônio Fernandes cada qual com um criado.

Trouxeram de presente seis escravos. Dos três, o primeiro seguiu para Holanda e os outros regressaram à África, em maio de 1643. Quanto aos enviados do Rei não há relatos que tenham ido à Holanda. Sobre sua chegada ao Recife existe referência à data de 12 de Maio de 1643 – ”

( “Albert Eckhout – Pintor de Maurício de Nassau no Brasil 1637/1644” – Clarival do Prado Valladares – Livroarte Editora)

E isto sem falar que esta época é exatamente o período onde floresce o Kilombo de Palmares no mesmo Recife onde esta inusitada embaixada africana aportou. Conterraneos já se sabe, mas haveriam parentes do embaixador D. Miguel de Castro em Palmares? Sabe-se já com alguma certeza que os escravos de Palmares em sua maioria não eram escravos comuns, mas prisioneiros de guerra, alguns até aristocratas como presumo que fossem as famílias e a dinastia de líderes denominados todos – como Nkanga a Lukeni de … ‘Nkanga a Nzumbi’.

E imaginem o meu prazer, quase infantil em ter podido comprovar, pelo menos parcialmente esta história eletrizante que tão pouca gente tinha ouvido falar?

Orgulhoso que estou – com toda razão, convenhamos – como detetive precursor, só espero que os historiadores profissionais ou amadores que vão a partir de agora seguir as pistas deste furo de reportagem histórico (na acepção da palavra) não se esqueçam de citar as fontes que os precederam (Roberto Correia, o historiador português que citou em seu blog  a viagem e o nome do navio, o pintor Albert Eckhout que retratou o embaixador com seus ‘servos’ e principalmente eu, Spírito Santo que futriqueiro de nascença que sou segui as duas pistas até conseguir estabelecer os incríveis vínculos entre as duas informações a ponto de comprová-las (sem esquecer do velho folclorista Câmara Cascudo, é claro, o primeiro a levantar esta lebre da Rainha Jinga, pelo menos para mim… e ao moço Raphael Crespo que tantos detalhes mais acrescentou a esta formidável história).

Uhhú!

E nem se atrevam! Se omitirem nossos créditos eu evoco as pragas do Criative Commons contra vocês ou…melhor ainda, os esconjuro com as pragas daquela ‘bruxa de Holanda’ que adora a vassoura dos direitos autorais mais radicais, dos danos morais, federais, estas coisas.

Spírito Santo

Abril 2011

16 respostas em “‘Nobre Negão’ or 17’ century african nobleman

  1. Erika,

    Acho que você pode então começar a rever alguns conceitos. Faço isso sempre que descubro essas coisas. A mais importante nesse caso, é que não existe esse maniqueísmo de branco mau, preto bom.

    A boa História nos ensina é que os crimes do colonialismo, da escravidão, do racismo, do capitalismo enfim, não tem aoenas negros vítimas inocentes de um lado, mais negros canalhas também do outro. Os canalhas não têm cir. Antesde protegê-los pir serem nossos “iguais”, escondê-los em panos quentes da “roupa suja lavada em casa”, precisamos identifica-los, denunciá-los e, se necessário, de algum modo puní-los.

    Antes que o mal deles, cresça.

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  2. Um bando de fantoche que ajudaram a afundar a África e vendiam seus iguais. Tem um bando de preto espalhado no mundo que ama colocar em um pedestal qualquer coisa não preta. Eu tenho é vergonha.

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  3. Aída,

    Eu sei a que episódio você se refere, sobre Ngola Mbandi. Mas este irmão da Jinga morreu envennado bem antes da tal embaixada (morreu em 1623 e a embaixada foi por volta de 1641/1643) . A suposição a que me refiro está ligada a certos indícios que encontrei – nada comprovado ainda – de que as regras de sucessão, muito rígidas nos reinos daquela região preconizavam uma divisão familiar na qual, quase sempre o rei do kongo era irmão do (ou da) doRei do Kongo . O Conde do sonho (Nsoyo, suponho eu, era quase sempre tio dos dois). Percebi alguns sinais de que esta regra remontava a fundação da federação de reinos da área, muito tempo antes de Diogo Cão..

    Tudo isto em sendo história oral, está a carecer ainda de comprovação ainda, claro.

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  4. Boas hipóteses de pesquisa sobre a embaixada ao Brasil…
    mas vejam bem o parentesco de Nzinga Mbande da Matamba…irmã do rei do Kongo ou irmã do rei do Ndongo
    Ngola Mbande? Não confundir as coisas.

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  5. Daniel,

    Estou pesquisando o tema desta pintura hoje. Dei um futucada boa naquele site onde você achou a imagem. Já sabia da exposição ‘Black is beutifull’ de umas matérias que achei do Brasil, mas não tinha o site que é fabuloso. Estou traduzindo os textos – que são excelentes – e vou escrever uma matéria bem bacana sobre o tema que é apaixonante (e vou citar você, claro)
    Na verdade, percebi que a historiografia brasileira passou batida por esta iconografia e as descobertas são impressionantes.

    Como você sabe, os pintores holandeses que vieram com Nassau fizeram obras de valor etnológico muito importante,quase que únicos na época no caso dos retratos. Cmecei a perceber isto pesquisando os retratos do Eckhout para identificar personagens e fatos a eles relacionados (os fatos são incríveis, do mesmo modo que as imagens)

    Nesta busca, a medida em que me deparava com certezas (como por exemplo provar com os retratos do embaixador do Kongo que, realmente houve uma viagem de angolanos para Recife e Amsterdam, fato não sabido ou omitido pela nossa historiografia) fiquei também com muitas dúvidas. tenho a impressão, por exemplo, que o retrato de D. Miguel de Castro pode não ser de Eckhout (não está assinado). Percebi também que cinco destes quadros que encontramos (entre os quais este que você me mandou hoje) parecem ser do mesmo pintor, realizados na mesma época e no mesmo local (o Brasil holandes).

    A hipótese destes retratos serem de autoria do mesmo pintor (o estilo, inconfundível, é similar em todos os 5 quadros, todos sem assinatura, tres atribuídos á Eckhout), lança uma luz surpreendente sobre a figura deste último retrato. A cho muito difícil que ele seja um mero traficante escravos ou mesmo ter sido retratado na África, por conta de não termos notícia de pintores holandeses em Angola ou em qualquer lugar da África portuguesa na época (a exceção é Olfer Drapper que, na verdade era xdesenhista, gravurista e não fazia retratos). É óbvio que o homem (que parece incrivelmente uma mulher), só foi retratado por que era uma personalidade importante naquele contexto.

    Se ele for, como imagino, um homem, um líder rebelde retratado no Brasil holandes, em Recife ele mais precisamente, pode ser que ele tenha sido um importante líder quilombola, muito provavelmente Zumbi de Palmares. Não havia nenhum líder rebelde mais proeminente que Zumbi naquela época e contexto. Já pensou que descoberta fantástica?

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  6. Esta imagem é, com certeza a mais impressionante de todas. A época dela e os detalhes (veja a tradução a baixo) instigam muitos mistérios. A hipótese dele ser um mercador de escravos é apenas uma das possibilidades (que eu acho a mais remota) A pose altiva com as mão sobre a arma, indicam um outra possibilidade mais forte ue é a figura ser a de um guerreiro (observe que a espada, os brincos e as roupas são portuguesas, como a própria descrição sugere).Vou colocá-las no rola das imagens que podem ser do quilombo de Palmares. Muito instigante!

    “Óleo sobre tela Coleção de Den Haag Sr. e Sra. S. Nijstad, esta pintura poderosa de um homem orgulhoso é cheio de enigmas. A identidade do pintor é desconhecida, assim como a identidade do homem no retrato e sua função. Ele por vezes tem sido descrito como um comerciante de escravos, em virtude de sua espada e ar ameaçador. Suas roupas e os brincos são de origem ocidental, enquanto a sua espada e broche pode ser Português. Uma coisa é certa, porém: o pintor criou um retrato original de um homem formidável, de si negro.”

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  7. Raphael Crespo em vários comentários na minha página no facebook fez muitas contribuições a este post, principalmente com referencias bibliográficas como estas a seguir:

    Sobre as Fontes:
    Verbetes Científicos – Luiz Emygdio de Mello Filho
    Bibliografia mto extensa, mas vai aqui algumas referencias p/ adiantar:
    VALADARES, Clarival do Prado. Rio Barroco, volume I.
    CALI – “The art of the consquistadors”, London, Tha…mes e Hudson, 1961.
    SOUSA-LEÃO, Joaquim de. Post et Eckhout, L`oei, Genève, 1958.
    COSELHO FEDERAL DE CULTURA – MEC-FENAME, Atlas Cultural do Brasil. 1 ed.
    MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos, Recife, SEC, DC, 1978. Transcrição parcial da revista De Navorscher, de Utrecht-1898, documento da relação dos convivas do Conde Maurício em 1º de Abril de 1643.
    VAN GELDER, H.E Twee Braziliaanse Schildpadden door Albert Eckhout, Oud Holland, 76, 1960.

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  8. Grande pesquisador!!!!Me alimenta cada vez mais em busca das marés transatlantica.
    axé!

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